Texto por José Vignoli
Realizar uma pesquisa não é somente recorrer a fontes primárias ou ao que já foi publicado, seja em jornais, revistas ou livros. A análise apurada de imagens antigas pode ser tão mais reveladora ou instigante do que qualquer outro material e, assim, despertar a curiosidade que nos leva ao aprofundamento do estudo. Ao final o objetivo deve ser reunir todas as fontes de informação e entrelaçá-las para que possamos desvendar ao menos parte da história sobre a qual temos interesse.
Em uma destas análises, no caso, uma imagem da Avenida Paulista, um prédio nos chamou a atenção, pois não havia qualquer registro anterior de sua existência que tivesse – até onde sabemos – sido estudado ou publicado.
Por ser uma imagem do início da década de 1950 e o prédio já parecer, de certa forma, antigo, mais uma vez, surgiu a pergunta: “qual seria o primeiro prédio da Avenida Paulista?”. Até então se acreditava ser o Edifício Anchieta de 1941.
Tantos foram os desafios e dúvidas que, neste caso, acabei reunindo um grupo de amigos pesquisadores da cidade de São Paulo para que, juntos, desvendássemos o mistério do tal prédio. Além de Douglas Nascimento do Instituto São Paulo Antiga www.saopauloantiga.com.br , participaram também Firmiano de Moraes Pinto (bisneto do ex-prefeito paulistano Firmiano Pinto) e Luciana Cotrim do site Série Avenida Paulista. Entre outras coisas, a beleza deste artigo é, sem dúvida, a cooperação entre os estudiosos da história da cidade.
Em uma das imagens coletadas, uma fotomontagem do laboratório Boer, com a maquete do que seria o Conjunto Nacional projetado por David Libeskind, ficou ainda mais clara a imagem do tal prédio na Avenida Paulista, esquina com Rua Frei Caneca.
Nada, nenhum registro, nenhuma informação que pudesse nos auxiliar apenas esta e outras fotos depois reunidas onde o prédio nunca era o personagem central, mas, sim, um coadjuvante no meio de tantas outras construções.
Hoje, nesta mesma esquina, existe o Edifício 2000, projeto de 1975, e cujo autor é Maurício Kogan. O edifício foi inaugurado em julho de 1979 para ser a sede da Sul América Seguros em São Paulo e hoje abriga uma unidade da Universidade Anhembi Morumbi.
Mas, voltando no tempo, bem antes disso, em 1930, neste endereço existiam três casas, de numeração 37, 39 e 41 (a da esquina) e o registro telefônico da época indica que os números 37 e 39 seriam de Nahar Soubhia (no número 41, neste ano, não consta nenhuma instalação telefônica). Este local, posteriormente, recebeu o número 1972 da Avenida Paulista.
Agora, com a numeração mais recente, foi possível seguir algumas pistas e a primeira delas veio através da lista telefônica de 1945.
Neste endereço constavam alguns telefones instalaos em apartamentos; a segunda pista foi uma publicação da Revista do Arquivo Municipal de 1939 onde se criticava a numeração confusa de alguns imóveis e citava o prédio da Avenida Paulista 1972 que não tinha numeração na Rua Frei Caneca, onde, em realidade, se localizavam suas garagens, provavelmente térreas.
Mas quem seriam os proprietários dos apartamentos do tal prédio? Seriam os moradores? Neste ponto, uma publicação de 1942 da Delegacia Especializada de Ordem Política e Social (DEOPS) convocando os proprietários de imóveis na cidade de São Paulo traz, textualmente, a chamada, entre outros, do proprietário (no singular) do imóvel localizado na Avenida Paulista 1972. Por estarmos naquele momento em tempo da guerra deveriam estar sendo convocados os estrangeiros possuidores de imóveis na cidade. Ou seja, temos um só proprietário e tudo nos levava a crer que os apartamentos, então, seriam todos alugados. Entretanto, não poderíamos contar com uma suposição, mas que logo se tornaria uma certeza.
Diante destas informações que foram sendo conseguidas “a conta-gotas”, restava também saber o ano da construção ou entrega do prédio cujo nome nem tínhamos conhecimento.
Mas as pesquisas continuam, cada vez mais apuradas, cada vez mais “cirúrgicas” e, finalmente, um pequeno e único anúncio de jornal nos revela, talvez, o mais importante ponto: a data de surgimento do prédio!
Eis que um anúncio de 4 de agosto de 1936, publicado no Estadão pela empresa C.B.A. – Companhia Brasileira de Administração, nos informa que “… já estão sendo alugados…” – , ou seja, eram novos os apartamentos do Prédio Avenida localizado na Avenida Paulista esquina com Rua Frei Caneca. Uma administradora locando todos os apartamentos de um mesmo prédio que, curiosamente, foi erguido antes de serem permitidos prédios na avenida – o que só ocorreu depois da Lei Municipal 3.571 de 7 de abril de 1937.
Com este anúncio, mais a informação da convocação, podemos afirmar que, realmente, seria uma única pessoa, um único proprietário de todo o prédio; porém, seu nome continua incógnito e os moradores*¹ eram das mais diversas origens, como podemos ver ao analisar as listas telefônicas de diferentes épocas e referentes ao prédio, tais como Rinehart, Katz, Epstein, Rothschild, Heskel, Munter, Bernhein, Seidel, Heskel, Freuthal, Bernheim, Marques, Araújo, Garcia, Marques, Ventura, Andrade e Pistoresi.
Pelas poucas fotos disponíveis podemos considerar que o prédio tinha sete andares, com seis ou mais apartamentos por andar, alguns com face para a Avenida Paulista e outros para a Rua Frei Caneca.
Visita de Dwight Eisenhower, presidente dos Estados Unidos, a São Paulo – fevereiro de 1960
Ao que parece, as plantas deveriam ser diferentes, pois as unidades das extremidades contavam com um pequeno terraço. O térreo era ocupado por unidades de uso residencial ou comercial, sendo estas até certa época sem numeração específica. Uma referência é um salão de beleza que lá funcionou entre 1943 e até, pelo menos, 1953. Tratava-se do cabeleireiro “Vicente”, que atendia senhoras e havia tido uma passagem por Paris, como nos indica um de seus anúncios.
Aí está, então, mais um mistério da cidade desvendado, porém, quem sabe, os leitores tenham mais informações sobre o “Primeiro prédio da Paulista”, o que seria uma ótima notícia para a preservação da história da cidade e de sua mais famosa avenida.
E mais uma preciosa informação foi fornecida pelo Euclides Sordi, um leitor que comentou o texto: a demolição do prédio aconteceu entre os anos 1972 e 1975, Estamos fechando a história deste edifício.
Bibliografia:
* O Estado de S. Paulo – Edição de 07/09/1936 pp 1
* O Estado de S.Paulo – Edição de 27/07/1979 pp 10
* Revista do Arquivo Municipal – 1939 – Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional
* Correio Paulistano – Edição de 29/05/1938 pp 13
* Correio Paulistano – Edição de 18/10/1942 pp 8
* Diário da Noite – Edição de 29/08/1949 pp 6
*O Cruzeiro – Edição ? – Ano 1943
* Conjunto Nacional – A Conquista da Paulista – Iacocca, Angelo – Ed. Fundação Peirópolis LTDA 1998
* São Paulo – Spala Editora – RJ 1979/92
* Álbum Iconográfico da Avenida Paulista – Lima de Toledo, Benedito – Ed. Ex Libris 1987
* Diversas listas telefônicas antigas
Este texto foi produzido em parceria com o Instituto São Paulo Antiga e o site Série Avenida Paulista. Não conhece o instituto? Clique aqui para visitar.
Contribua com a Série Avenida Paulista: se tiver uma foto antiga em que este casarão/edifício/local público apareça ou se conhecer alguém que possa fornecer mais informações sobre a residência ou edifício e pessoas relacionadas (família, amigos e outros), entre em contato com a gente. Muito obrigada!
7 thoughts on “O primeiro prédio da Avenida Paulista”
Euclides Sordi
Sou EUCLIDES SORDI , CREA 20.552 SP , o Engenheiro Responsavel pela demolicao e construção do novo edifício, projetado por Maurício Kogan.Infelizmente não tenho lembranças da construção antiga, pois só entrei uma vez naquela construção. Foi no dia da contratação da demolicao .
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Luciana Cotrim
Que bacana, mas saberia dizer exatamente quando o prédio foi demolido? Agradeço
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Euclides Sordi
Luciana não sei precisar a data ,mas com certeza foi entre 1972 e 1975, data do apostilamento do alvará de construção. Estes dados estão no Auto de Vistoria ou Habite,-se 105/77 de 21/07/1077, que tenho uma cópia comigo .
Eng. Euclides Sordi
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Luiz Eduardo
Olá, Luciana, meu nome é Luiz Eduardo.
Eu tenho fotos de 1969 que mostram o prédio intacto.
Como posso lhe enviar?
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Luciana Cotrim
Luiz Eduardo,
Nossa que maravilha! Tudo da Paulista nos interessa. Vou mandar um email para você com o endereço do meu email. Muito obrigada!
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Luciana Cotrim
Acabei de te enviar o email. Obrigada.
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