Essa história, diferente das outras, começou por alguém que viveu no edifício e fez contato conosco. A partir daí pesquisamos sobre a casa que havia antes no local, que abrigou o Gymnasio Carlos Gomes e conseguimos algumas informações, que partilhamos no texto anterior.
Por isso, agradecemos muito a Monica que foi responsável por esta história que, sem ela, dificilmente aconteceria e, também, por compartilhar conosco as lembranças e as lindas fotos da época em que viveu no apartamento que serão publicadas neste texto.
No dia 14 de junho de 1956 uma grande matéria no jornal anuncia o lançamento de um “empreendimento imobiliário de grande significação para a família paulista”. Tratava-se do lançamento do Conjunto Residencial Suíço, que segundo a notícia, era um edifício de apartamentos modernos, confortáveis e de baixo custo, realizados com capital estrangeiro, de capitalistas suíços.
A Flamengo S. A. foi a construtora responsável pela execução da obra. A empresa argumenta que, em se tratando de um local privilegiado e tradicional como a Avenida Paulista, seria impossível construir com baixo custo é só o investimento estrangeiro viabilizaria o projeto. Neste período, a Paulista tinha poucos edifícios e todos eles de alto padrão. Talvez esse tenha sido o primeiro direcionado à classe média.
Segundo Markus Mike, da Flamengo, o projeto arquitetônico foi feito na Suíça, e o terreno comprado da Escola Paulista de Medicina. A área construída seria de 34 mil m², com 22 andares, com apartamentos com 3 plantas diferentes, com um grande diferencial, “água quente em todas as torneiras”. De uso comum 2 jardins, playground e garagem para 140 carros. A matéria informava que seriam construídas 3 torres, chamadas Alpes, Apeninos e Andes, mas, na verdade, apenas uma torre foi construída e o prédio recebeu o nome de Conjunto Residencial Suíço. Não sabemos informar por que não foram construídas as 3 torres.
Vemos no anúncio de vendas, veiculado em 10/07/1956, que os argumentos eram fortes do ponto de vista financeiro: preço fixo, apenas 5% de sinal, 20% facilitados em 36 meses e 75% financiados em 70 meses.
Mas é neste momento que começa a parte mais interessante desta história, o belo depoimento de Monica, que passou uma parte da infância em um dos apartamentos do Conjunto Residencial Suíço.
Vamos a sua narrativa:
Nesse apartamento moravam minha tia Téia, irmã mais velha da minha mãe, meu tio Zézinho e minha prima Maria Cecília, que me disse que morou lá dos 12 anos até se casar aos 20 e poucos anos. Eu fiquei lá, com a minha tia, desde bebê até uns 6 anos, não tinha berçário naquela época. Quem morou mais tempo foi minha tia, de 1959 até 1975.
Minha mãe foi a única filha da minha avó, (8 mulheres e 5 homens) que continuou trabalhando após casada, e após meu nascimento, por isso, teve que me deixar com minha tia para continuar. Ela trabalhava na Praça da República.
Nas minhas lembranças, o apartamento 904 tinha uma sala comprida e um quartão grandão, as portas marrons do corredor eram altas e me lembro de ter ficado presa no elevador por falta de energia, com ele cheio de moradores, e minha tia Téia me acalmou e eu aguardei quietinha (eu acho!).
Ela abria a lata de leite condensado na pequena cozinha e sempre deixava um fundinho para eu lamber e meu tio lia o jornal na cama enquanto eu fazia cabaninha das folhas e a tia arreliava: Zézinho, faz essa menina dormir! De repente o tio foi embora – eles se separaram.
Quando tive caxumba dormia na cama de casal com a minha mãe e a tia vinha me dar tchau para ir estudar no curso de madureza, e eu a queria ali também, afinal eu era muito sortuda, tinha duas mães, a mãe do ‘quitório’ (minha mãe que me deixava com a irmã para ir trabalhar no escritório) e a minha ‘mãe’ (na verdade minha tia), que minha prima me arreliava falando baixinho: ela não é sua mãe, é sua tia! E eu abria o berreiro e minha tia vinha em minha defesa (como sempre!); a nossa diferença é de 20 anos !! rs
Minha prima, Maria Cecília, comigo no colo em 1967. Na janela da sala é possível ver ao fundo a obra de um edifício, que acho ser o do Gazeta.
No dia 21 de novembro de 2017, voltei lá, quase 50 anos depois, afinal desde que me entendo por gente, ele já existia.
As portas são normais e continuam marrons, as janelas dos apartamentos sem mudanças, fiz fotos para registrar um tempo que para mim foi de uma infância feliz, afinal eu era paparicada pela tia Téia e pelo tio Zézinho enquanto meus pais iam trabalhar e eu ficava lá.
O banheiro ficava bem colado à porta de entrada, e eu chegava da escolinha e era colocada lá para despejar os quilos de areia que trazia nas botas ortopédicas Salva Pé, todos os dias – era engraçado e dava um alívio danado.
Banho não era problema, mas o cano era colocar a touca de cabelo, porque nem todo o dia era dia de lavar os cabelos, e o barulho da água batendo me incomodava, dava show e pedia para ficar de orelhas para fora, a tia sempre deixava.
Me lembro de brincar de motoca com a descarga da privada, virava de frente para a parede e ficava imitando que estava numa moto, fiz foto da descarga que ainda existe por lá.
Um evento muito aguardado por mim era a perda dos dentes de leite, na pia, a tia contava até 3 e puxava, sangrava que só, mas – a melhor parte! – eu fazia vários bochechos com água morna salgada, sempre amei sal, deve ser dessa época.
A área de serviço era pequena, mas tinha porta de serviço para o corredor a porta não era usada, pois minha tia tinha uma Bendix (máquina de lavar) do tamanho do mundo que ocupava tudo.
O corredor dos apartamentos. A primeira porta é a social, a próxima é a de serviço, onde pode-se notar claridade mais à frente do janelão que vemos abaixo. Detalhe para o piso de cacos, muito comum naquela época.
Essa janela abaixo é a da área de serviço, a outra janela que aprece ao fundo é a da cozinha. Esse recuo com esse janelão é o que você vê olhando de frente do prédio. Um episódio com essa porta: não existia interfone, né? O cara subiu e tocou a campainha de serviço para entregar flores para a minha prima. Eu me lembro que minha tia abriu a porta social e falou que era ali, e eu fiquei aguardando perto da geladeira, que ficava na sala, pois a cozinha era muito pequena.
Minha prima deve ter ganhado flores porque ia se casar, e eu fui sua daminha de honra, um vestido azul, com uma flor na altura de uma cintura alta que me pinicava o tempo todo; não tive autorização nem para manicure ou maquiagem, criança de 6 anos não pode e pronto, sem show dessa vez!
O casamento foi na Imaculada Conceição e a festa no apartamento. Nas minhas lembranças, eram muitas pernas na minha visão miúda, mas o legal é que deixaram a porta da entrada aberta, achei o máximo.
Todo dia, à noite, eu ia para a minha casa em Pirituba – às vezes dormia na Paulista, meus pais vinham do trabalho e iam lá para me buscar, o carro ficava parado no posto que tinha na Paulista com Brigadeiro, onde hoje é o Burger King. O Sr. Augusto, dono do posto, acho que sempre brincava comigo. Eu me lembro de ir para o carro embrulhada num cobertor, no colo do meu pai, para não pegar friagem.
Outra lembrança boa eram as balas Super Leite da Kopenhagen, eu devia atormentar minha tia – num apartamento de apenas um quarto – que ela descia e me levava para comprar bala e, até poucos anos atrás, ela ainda me trazia balas quando vinha visitar minha mãe. Íamos no banco também, eu trazia montes de fichas para depósito para brincar em casa.
O sofá da minha tia era de chenile vermelho e eu, meio travessa, encharquei com uma caneta azul ou preta que ficou uma bolota, tomei várias duras, da minha tia e da minha mãe, sempre que olhava aquela marca redonda lembrava das broncas.
Eu, sentada no sofá de chenile. Acho que sentei na mancha que fiz para não aparecer na foto, era bem nessa posição.
Às vezes dormia lá no apartamento, então, minha tia abria esse sofá, que virava uma cama de casal, e me punha para dormir, como eu não queria dormir sozinha, minha tia punha o travesseiro dela à noite e logo pela manhã, para eu ter a segurança que ela dormiu ali comigo. Minha prima me falou uma vez, que ela punha até eu dormir e ia para o quarto, mas logo cedo o colocava do meu lado.
Eu, na sala do apartamento, sentadinha, envolta em almofadas e rendas, reparem a mobília, a TV antiga, a cadeira e o armário, típicos daquela época. Na janela pode-se ver um pedaço do prédio Savoy, onde está o Mc Donald’s e, ao lado, a construção provavelmente do Top Center, em foto de 1967.
Mesmo num apartamento pequeno, eu só tive boas lembranças de uma Avenida Paulista que está na minha vida desde sempre.
Nasci numa travessa, no Hospital 9 de Julho, na Rua Peixoto Gomide. Estudei o maternal na Escola 7 Anões, que ficava na Alameda Santos quase com a Avenida Brigadeiro Luis Antonio, hoje é um prédio no local. Na foto, eu na entrada e, ao lado, uma festa do meu aniversário (acho que 3 anos), como a escola era pequena a festa foi para todos os alunos. Eu estou no colo da minha mãe, a primeira era a professora, à esquerda, a segunda com a mão meio levantada, minha tia Téia, e a terceira uma outra professora.
Todo o restante da minha vida escolar foi no colégio Santa Catarina de Sena, na Rua Manoel da Nóbrega e, por fim, moro há 36 na Rua Bela Cintra.
Só bons momentos”.
À Monica, agradecemos tanta gentileza. Não bastou revirar e reviver as memórias e o baú de fotografias para compor, para nós, está linda narrativa. Ainda fez muito mais, ela foi até o prédio da Paulista para rever onde passou alguns anos de sua infância e, muito mais, para registrar imagens que nos permitiram ver o edifício não só por fora, mas internamente, onde as histórias acontecem.
Terminamos o texto, com a foto tirada por Monica, da janela do apartamento com um lindo verde de uma árvore. Uma janela que nos transporta para o passado, nos mostra o presente e, nos leva para sonhar com o futuro.
Muito obrigada por esse presente, Monica!
Até a próxima história!
Contribua com a Série Avenida Paulista: se tiver uma foto antiga em que este casarão/edifício/local público apareça ou se conhecer alguém que possa fornecer mais informações sobre a residência ou edifício e pessoas relacionadas (família, amigos e outros), entre em contato com a gente. Muito obrigada!
ASérie Avenida Paulista conta as histórias dos casarões e das famílias que moravam na avenida e, também, dos edifícios que foram construídos em seus lugares.
Escrita por Luciana Cotrim, a série conta a história de mais de 80 casarões do século XX e dos edifícios atuais.
4 thoughts on “Conjunto Residencial Suíço na Avenida Paulista”
Marcos
Muito legal esta estória e história!
Parabéns à todos que valorizam lembranças de coisas agradabilíssimas!
CurtirCurtido por 1 pessoa
Luciana Cotrim
Muito obrigada, Marcos.
CurtirCurtir
Pingback: A casa de Paes Leme e o Gymnasio Carlos Gomes | Série Avenida Paulista
Pingback: Gymnasio Carlos Gomes na Avenida Paulista | Série Avenida Paulista