Em 18 de abril de 2008, por meio do Decreto nº 49.418, do prefeito Gilberto Kassab, a Prefeitura de São Paulo criou o parque que recebeu o nome de Prefeito Mário Covas. Decisão que recebeu críticas da família Thiollier e de outros paulistanos, que gostariam de homenagear o antigo proprietário do local: René Thiollier.
O número 1.853 da Avenida Paulista fica na esquina da Alameda Ministro Rocha Azevedo: lá foi a residência do paulistano René Thiollier entre 1913 e 1968. Como o nome sugere, a Villa Fortunata era uma das edificações mais imponentes da avenida. Projetada por Augusto Freid, a mansão, como tantas outras, recebeu a influência europeia e foi construída no estilo eclético, muito em voga na época.
A casa, construída em 1903, foi batizada em homenagem à esposa de Alexandre Honoré Marie Thiollier, que se chamava Fortunata de Souza e Castro. Muito trabalhador, ele foi guarda-livros, livreiro, sócio e proprietário da primeira livraria de São Paulo, a Casa Garroux, depois que Anatole Garraux saiu da sociedade. Conta-se que, em meados de 1878, Alexandre conheceu Fortunata: encontraram-se num rinque de patinação e apaixonaram-se ao som do Danúbio Azul.
No período da construção do palacete, a Avenida Paulista ainda era distante do centro da cidade, e o local era utilizado como casa de campo, para o lazer da família, que morava na Rua XV de novembro, no número 60, no centro da cidade, local onde atualmente está estabelecido o Restaurante Bovinu’s.
Em 1909, Alexandre Honoré viajou para a Europa para tratamento da saúde e resolveu alugar o casarão. A família de Burle Marx alugou a mansão. Na época, o casal esperava o quarto filho, que nasceu na Villa Fortunata, e viria a ser Roberto Burle Marx, o paisagista mais reconhecido e celebrado do Brasil. Dizem que foi lá que Burle Marx aprendeu, com sua mãe, Cecília Burle, a cuidar das rosas e gostar de jardins.
Por quatro anos a família Marx alugou a Villa e em 1912, o pai do pequeno Burle Marx, que possuía um curtume, faliu e se mudou para o Rio de Janeiro, onde foram morar com parentes.
Em 1913, o Sr. Thiollier faleceu em Paris, e como era seu desejo, foi trazido para ser sepultado no Cemitério da Consolação. Depois da saída da família Burle Marx, o filho, René Thiollier, passou a residir no casarão e viveu lá até a sua morte em 1968.
Paulistano, René Thiollier, nasceu numa travessa da Praça da Sé, no centro de São Paulo, no dia 29 de janeiro de 1882. Formou-se advogado na Faculdade do Largo São Francisco. Casou-se em 1910 com Sylvia Teixeira de Carvalho, sua prima, com que teve dois filhos: Maria Nazareth e Alexandre.
Intelectual e escritor, colaborou com inúmeros jornais e revistas, tais como Diário Popular, A Gazeta, a edição paulista do Jornal do Comércio, o Correio Paulistano, O Estado de S. Paulo, Revista do Brasil, A Cigarra, etc. Em 1906, foi fundador com Júlio Prestes da Revista A Musa. Seu trabalho foi muito bem recebido e festejado à época.
Foi membro e secretário da Academia Paulista de Letras, ocupando a cadeira número 12, além de fundador e diretor da Revista da Academia por mais de 15 anos.
Em 1919, em sua faceta de ator, representou no Teatro Municipal, O Contratador de Diamantes de Afonso Arinos e, em seguida, com Goffredo da Silva Telles e Aguiar d’ Andrada, a peça A Ceia dos Cardeais, de Júlio Dantas.
Um de seus maiores feitos foi ter sido um dos principais mecenas da importante Semana de Arte Moderna de 1922. Como empresário, foi ele que alugou o Teatro Municipal para sua realização. Na época, os jovens modernistas necessitavam de apoio político e financeiro e surgiram mecenas como René Thiollier, além de Paulo Prado, Dª. Olívia Penteado e outros que ajudaram o movimento.
Segundo o blog Idea, René Thiollier “deu uma contribuição enorme a essa terra em que nasceu e que amou tanto: São Paulo (..) teve um papel fundamental para que a Semana de Arte Moderna em 1922 acontecesse.”
Muitas vezes, na Villa Fortunata, René promovia jantares e saraus, frequentados por artistas e intelectuais, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, Monteiro Lobato, que foi casado com Purezinha, prima direta do proprietário da casa, e muitos nomes que produziram a Semana da Arte Moderna e que fizeram parte da história paulista.
Em 1930, Júlio Prestes, Presidente do Brasil, convidou René para chanceler e, nesta ocasião, participou da Revolução Constitucionalista de 1932, sendo organizador do Batalhão de homens de 30 a 50 anos, chamado de Liga da Defesa Paulista.
Muito versátil, ele também foi um dos empresários que participou da fundação do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), inaugurado no dia 11 de outubro de 1948.
O paulista de coração faleceu em sua mansão, a antiga casa de campo dos Thiolliers, a Villa Fortunata, aos 24 de outubro de 1968.
Na sua vida, a fidelidade foi uma constante: foi fiel a si mesmo, fiel a seus ancestrais, fiel a São Paulo, que tanto amou, segundo o site Migalhas, em “um amoroso artigo de Alexandre Thiollier sobre o seu pai René Thiollier. A preciosidade textual está em uma separata da Revista da Academia Paulista de Letras, doada à biblioteca de Migalhas em 2004 pelo advogado Alexandre Thiollier Filho”.
Mais que isso: uma bela história de família que remonta aos anos 1200, na França. Vale a leitura do trecho abaixo que descreve a Villa Fortunata.
Foi nessa época que meu avô Alexandre resolveu construir uma casa de campo na parte alta da cidade. Não havia lugar de melhores ares do que a Avenida Paulista, posto que longe do centro e ainda carente de serviços essenciais. A despeito disso, adquiriu em 1903 uma grande área da antiga Chácara da Bela Cintra na esquina da rua Jundiahy, hoje Rocha Azevedo.
Augusto Fried, o arquiteto, atendendo-lhe o pedido, implanta a casa num dos vértices do terreno para preservar a maior parte possível da mata virgem do Caaguassú, que se juntava, sem interrupção, à vegetação cerrada do imóvel do vizinho. Uma tal floresta, densa e fechada, parecia intransponível por seus cipós e espinheiro que, à noite, hospedavam miríades de vaga-lumes e, pela manhã, se engalanavam com as pérolas brilhantes das orvalhadas teias de aranha.
Um verdadeiro espetáculo, a merecer os versos de Keats: “a thing of beauty is a joy for ever”. Denominada “Villa Fortunata”, a vivenda, ampla e confortável, com um torreão que a encimava, foi a casa de campo dos Thiolliers até o falecimento de Alexandre, na sua residência de Paris.”
O casarão foi demolido em 1972, como tantos outros palacetes originais da Avenida Paulista. A área verde do parque, que se constituía no bosque existente na “Villa Fortunata”, permaneceu desde a morte de René Thiollier porque seus filhos, o advogado Alexandre Honoré Marie Thiollier e a artista plástica Nazareth de Carvalho Thiollier impuseram, por escritura pública, uma restrição sobre toda a área verde do imóvel, que impediu o avanço imobiliário, deixando um importante legado de preservação ambiental.
O terreno de 5,4 mil metros quadrados, com cerca de 200 árvores remanescentes da Mata Atlântica, pertenceu ao Banerj (Banco do Estado do Rio de Janeiro) e chegou a abrigar um estacionamento. Em 1992, foi tombado pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), devido à representativa área verde.
Em 18 de abril de 2008, por meio do Decreto nº 49.418, do prefeito Gilberto Kassab, a Prefeitura de São Paulo criou para o local o parque que recebeu o nome de Prefeito Mario Covas. Decisão que recebeu críticas da família Thiollier e de outros paulistanos.
Neste período tramitava na Câmara Municipal um projeto que propunha a denominação do parque, um grupo de artistas lutou para que o parque recebesse o nome de René Thiollier. A manifestação foi liderada pela filha dele, a Sra. Nazareth Thiollier, com quase 90 anos na época. Infelizmente, não conseguiram.
Para quem quiser conhecer mais detalhes sobre a vida de René Thioller e a proposta para dar o seu nome ao parque, vale a pena assistir o vídeo abaixo.
ASérie Avenida Paulista conta as histórias dos casarões e das famílias que moravam na avenida e, também, dos edifícios que foram construídos em seus lugares.
Escrita por Luciana Cotrim, a série conta a história de mais de 80 casarões do século XX e dos edifícios atuais.