Na história de hoje temos a satisfação de apresentar uma super novidade. Fotos inéditas e um belo texto escrito pela bisneta do grande investidor e urbanista Horacio Sabino, que viveu na casa estilo art noveau, muito simbólica na Avenida Paulista, esquina com a Rua Augusta.
Depois deste casarão
Agradecemos imensamente à Maria Luiza que, com grande desprendimento e respeito ao resgate histórico, compartilhou com todos nós essa parte de sua vida.
Vamos à história contada diretamente por ela!
Muito já foi escrito sobre meu bisavô Horacio Sabino.
Por isso, gostaria de compartilhar lembranças que guardo da minha infância, durante várias ocasiões que íamos visitar meus bisavôs Horacio e America.
Uma das lembranças mais vívidas que guardo dele, era de uma brincadeira que ele gostava de fazer comigo e com minha irmã Cecilinha: ele colocava a língua por dentro da bochecha, forçando-a para o lado…então aparecia uma bolota, que ele nos pedia para apertar…quando tentávamos tocar na bolota, ele mudava a língua para o outro lado e nos desafiava para tocar antes que ele mudasse o lado.
Uma brincadeira bem infantil, mas que nos encantava! Ele tinha os olhos muito vivos, mesmo por trás dos óculos redondos. Sempre usava um terno cinza e eu achava curioso uma pessoa que tinha uma aparência tão séria ser tão divertida!
Acima, linda foto da família realizada em 1884. A mãe, Maria Carolina de Andrade Sabino, também chamada pela família por tia Mariquinhas. Horacio Sabino e suas irmãs, Lavinia e Elvira, que foi dona e fundadora do tradicional Externato Elvira Brandão, pelo qual passaram muitas gerações de paulistanos que procuravam um ensino de qualidade.
Eu gostava de brincar no imenso jardim. A casa deles ocupava um quarteirão inteiro, onde hoje é o Conjunto Nacional. Era uma bela casa, a mais completa e original manifestação de “art nouveau” que nossa cidade conheceu…Um terreno de 15.000 metros quadrados, que ainda conservava várias árvores remanescentes da Mata Atlântica.
A casa ficava de frente para a Avenida Paulista, mas o jardim se estendia nas laterais até a Rua Augusta e Rua Padre Joao Manuel e, nos fundos, até a Alameda Santos. Nessa área ficavam as casas do motorista Leonides e do copeiro /mordomo japonês, chamado Sumoto.
Conta minha tia Sylvinha, que diversas vezes algum bicho-preguiça fugia do Parque Trianon e vinha pela Alameda Santos comer frutas do pomar. E o guarda tinha um trabalho enorme de fazê-lo descer da árvore para levá-lo de volta ao parque.
Lembro-me que o solo do jardim era muito verde, coberto de um musgo úmido, macio e escorregadio, talvez por causa das árvores com copas altas e frondosas, que tapavam o sol.
E foi justamente nesse jardim que a mamãe aprendeu a guiar….. ela se sentava na direção de um Volvo azul e quem a ensinava era um senhor grande e gordo, não sei quem poderia ser, talvez, seria o motorista do meu avô? Só sei que com seu tamanho, o assento em que ele se sentava se afundava sob seu peso, e eu achava que ele estava estragando o carro novo da mamãe!
Alamedas cobertas de pedrinhas brancas cortavam o jardim. Em alguns pontos, o caminho era interrompido por arcos de madeira branca cobertos de trepadeiras floridas. Bancos laterais faziam parte dessa estrutura, oferecendo um momento na sombra para quem quisesse descansar um pouco durante o passeio. Nessa foto acima, estão meu pai Rodolpho Coimbra e seu irmão Horacio.
Em uma área do jardim sombreada por árvores altas, havia um tanque com carpas vermelhas e muitas folhagens. Não sei dizer ao certo o tamanho do tanque, mas para mim, naquela época, ele parecia bem grande! Perigoso e meio assustador… nós crianças, não tínhamos permissão para ir brincar lá desacompanhadas.
Vovô Horacio (ele era meu bisavô, mas não sei porque, eu o chamava de vovô) tinha mandado construir uma casinha de boneca para suas 4 filhas brincarem. Era uma casinha de taipa, coberta de sapé. Não tenho lembranças de ter brincado lá dentro, mas me lembro de achar curioso ver esse tipo de construção tão rudimentar. Para mim, a casinha se parecia com as que eu estava acostumada a ver nas fazendas durante as férias, quando nós íamos brincar com os filhos dos colonos na casa deles.
Meu tio-avô João Laraya, casado com Tia Vivi (Sylvia, uma das 4 filhas do meu bisavô), era um ótimo fotógrafo! Foi ele quem tirou a maioria das fotos em que eu e minha irmã Cecilinha aparecemos. Algumas delas foram tiradas na escadaria da entrada.
Como eu já falei anteriormente, a casa de meu bisavô era realmente deslumbrante, uma das mais lindas manifestações do estilo art nouveau daquela época!
Cada detalhe da decoração interna havia sido escolhido em harmonia com a parte externa da casa… o terraço era arredondado e a mesa da sala de jantar que abria para esse terraço tinha um formato em curva acompanhando o semicírculo da parte de fora.
As colunas do terraço eram enfeitadas por raízes na sua base e por flores na parte superior, sob influência do estilo art nouveau.
Os moveis da sala ou eram trazidos da França ou encomendados ao Liceu de Artes e Ofícios. Nota-se uma grande preocupação com os detalhes, os moveis eram inspirados na mesma linha arquitetônica da parte externa da casa. Pode-se ver isso nas fotos acima: primeiro, o projeto do móvel da sala de jantar, em seguida o móvel já pronto. O desenho acompanha o formato das janelas.
O cuidado com todos os detalhes mais minuciosos se nota até nos trincos das portas e puxadores de gavetas
Em toda a casa, o mesmo cuidado com os detalhes: as formas e o desenho, com linhas arredondadas e orgânicas presentes em um dos ângulos da sala de jantar.
Vista do hall de entrada e, ao fundo, a bela porta adornada com os mesmos traços característicos do estilo da casa.
Mais acima, o ângulo oposto do hall de entrada com uma outra porta, par da que vemos na foto anterior.
As curvas e os arcos, formas orgânicas, se refazem em todos os cantos da casa.
A sala de visitas, com as paredes cobertas de seda, piano e os quadros e esculturas, quase todos comprados no Salão Nacional de Paris.
Esta estatueta de bronze patinado chama-se “A dança do fogo”, de autoria do escultor F. Bennelas.
Escultura chamada Les Violettes, em bronze patinado com base de mármore. Fez parte da Exposition Universelle de 1900 – Grand Prix – Paris.
Outro ângulo da sala de jantar também acompanha o desenho presente em toda casa. Vejam o desenho das cadeiras semelhante à ferragem da porta de entrada, na foto acima ou na janela da foto abaixo.
O jardim de inverno era todo de vitrais coloridos, filtrando uma luz de tons esverdeados. Com essa luminosidade natural, plantas e uma gaiola com um pássaro, trazia o frescor de um verdadeiro jardim…o chão de mosaicos e a mobília de vime completavam esse cenário de sonho!
Nessa mesma saleta minha bisavó gostava de passar as tardes fazendo tricot com suas 4 filhas. Minha avó Mequinha fazia trabalhos maravilhosos, cada neta que nascia ela presenteava com uma manta feita por ela. Foi ela quem me ensinou os primeiros pontos, aos 7 anos. Seu livro de receitas de tricot ainda me serve de inspiração!
Vovô Horacio era proprietário de uma grande área na região da Av. Paulista, onde hoje é o bairro de Cerqueira Cesar. Quando ele loteou a área e abriu as ruas, (a qual deu o nome de Villa America em homenagem à sua esposa America), reservou alguns terrenos em volta de sua mansão.
Quando suas 4 filhas se casaram, ele construiu as casas à sua volta, para que ficassem perto dele. Minha avó Mequinha era a filha que morava mais perto, na Rua Augusta, na área exatamente em frente ao seu muro lateral. As casas das outras 3 filhas eram na Bela Cintra, Alameda Itu e Alameda Santos.
Por ser uma casa muito grandiosa e bonita, era onde as datas e comemorações familiares eram festejadas…suas quatro filhas e cinco netas se casaram lá.
A primeira foto é de minha avó Mequinha, que se casou com Cesario Coimbra. Ao seu lado está sua irmã Marina, que se casou com Domingos Assumpção. Logo abaixo, Helena que se casou com Álvaro Souza Queiroz, e Sylvia, casada com João Laraya.
Em outra foto, minha avó Mequinha e tia Marina, sua irmã mais velha, sentadas do sofá da sala de visitas, onde se vê a parede coberta com seda.
Era uma casa que se prestava muito para comemorar grandes eventos…em muitas ocasiões as festas eram organizadas nos jardins da casa. Casamentos, batizados, aniversários – a casa se tornava mais bonita ainda, toda enfeitada de flores…
As mesas montadas no jardim num dia de festa, nunca participei de alguma, eu era muito pequena nessa época. Mas minhas tias contavam que nessas ocasiões, lanterninhas japonesas eram penduradas nas árvores.
Acima, o casamento de minha tia Maria America, irmã de meu pai. As damas são sua irmã Celina da Cunha Bueno e primas em foto tirada na sala da mansão.
Muitas comemorações aconteciam lá, casamentos, aniversários e até batizados, como na foto abaixo no batizado de meu pai…
Outra ocasião que era muito aguardada era a época do Carnaval. Vovô mandava montar um palanque junto ao portão da Avenida Paulista para que todos pudessem se acomodar para ver o corso passar. Naqueles tempos, como sabem, a maneira de se divertir era se fantasiar e passear pela avenida sentadas nos carros abertos….os jovens jogavam confetti nas moças e as provocavam com jatos de lança-perfume… minhas tias confessavam que adoravam essas brincadeiras!
Tia Marina guiando o carro, acompanhada de suas irmãs. Minha avó Mequinha está sentada atrás dela.
As duas irmãs de meu pai, tia Celina e tia Memé – Maria America, irmã de meu pai…. uma delas segurando uma garrafa de lança-perfume.
As festas, principalmente as de Carnaval, eram muito requisitas pela sociedade paulista, e viravam notícia, como neste baile a fantasia, realizado na casa dele em 1926 e publicado na Revista A Cigarra.
Porém, no dia 10 de agosto de 1950 meu bisavô faleceu. Dizem que pode ter sido provocado por uma injeção de penicilina que, por engano, aplicaram na veia, mas ele já tinha 80 anos e tinha vários problemas de saúde. Minha bisavó America e ele eram muito unidos… ela não resistiu à tristeza e morreu 15 dias depois.
E após dois anos do falecimento deles, minha avó Mequinha, suas três irmãs e herdeiros decidiram vender a propriedade. Não havia condições de pagar os impostos que eram muito altos devido ao valor extraordinário do terreno. Não tinha mais sentido em manter desocupada uma mansão tão grande, pois as vidas que animaram a casa já não viviam mais lá.
E o resto da história todos já sabem…..aquela preciosidade foi demolida, depois de 50 anos enfeitando a Avenida Paulista, uma perda inestimável! E no seu lugar foi erguido o Conjunto Nacional.
Para terminar, gostaria de deixar aqui as palavras escritas pelo poeta Guilherme de Almeida, numa homenagem prestada a ele 2 dias após sua morte:
“HORACIO SABINO Agosto, 12
No dia aziago de anteontem, fundamente ferida de dor, esta minha terra se abriu em chaga viva para receber as formas perecíveis de um homem que muito e muito a amou de puro amor: Horacio Sabino.
Escrevi “formas perecíveis”. Mas prefiro pensar nas imperecíveis do espírito. E penso…..”
Essa bela narrativa só foi possível pela imensa generosidade de Maria Luiza, que nos brindou com a escrita deste texto e possibilitou que conhecêssemos estas lindas fotografias, algumas inéditas, da história e do legado de sua família para a cidade de São Paulo.
Um enorme agradecimento pela colaboração preciosa de Maria Luiza no resgate da história de Horacio Sabino e, também, de sua outra parente, a Baronesa de Arary. Ambos residiram em casas maravilhosas da Avenida Paulista e foram personagens de grande importância na história paulista.
Agradecemos também, mesmo que indiretamente, à Ana Carolina Laraya Glueck e à Carolina Andrade, ambas bisnetas de Horacio Sabino e primas de Maria Luiza, pela enorme contribuição à história paulistana. É delas o crédito pela produção do magnífico livro “Horacio Sabino – Urbanização e história de São Paulo”. Grande parte das fotos e objetos apresentados neste texto são do acervo da família Sabino, da qual elas descendem.
Para finalizar, uma magnífica sequência de fotos da mansão de Horacio Sabino, investidor e urbanista, apaixonado por São Paulo, que construiu uma das poucas e legítimas casas em estilo art nouveau da arquitetura paulistana. São imagens muito pouco divulgadas ou até inéditas, que temos o grande prazer de apresentar aos nossos leitores.
Convidamos a todos: vamos entrar por esse elegante portão?
E adentrar nesta linda residência pela esquina da Paulista com Augusta…
Passando pelos jardins e suas árvores e conhecendo a residência pelo seus ângulos a partir das quatro ruas que a mansão ocupava neste quarteirão.
Vista a partir do lado da Rua Padre João Manuel
Contribua com a Série Avenida Paulista: se tiver uma foto antiga em que este casarão/edifício/local público apareça ou se conhecer alguém que possa fornecer mais informações sobre a residência ou edifício e pessoas relacionadas (família, amigos e outros), entre em contato com a gente. Muito obrigada!
8 thoughts on “Preciosas lembranças e fotos inéditas de Horácio Sabino, sua família e o palacete”
Maria José Luz Poletti
Boa tarde. Acredito que minha sogra, deve ter algum parentesco com vocês. Ela morava na Av. Paulista, com a tia Amélia ( como ela chamava) e o tio Numa. Seu pai, chamava-se Guilherme Belfort Sabino. Abraços
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Luciana Cotrim
Olá Maria José, meu nome é Luciana e sou a autora do site Série Avenida Paulista. Muito interessante seu comentário. Será que ela tem lembranças e fotografias da época em que morava na Avenida Paulista? Eu já escrevi também sobre o Numa de Oliveira, enriqueceria muito as lembranças dela. Sem dúvida, vocês devem ter parentesco com o Horacio Sabino. Você gostaria que eu passasse o seu contato para Maria Luiza, tataraneta dele, que escreveu o texto para o site?
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Ana Cláudia Lins
Que postagem incrível! Que lindas fotos! Estou lendo o livro “A Capital da Vertigem” de Roberto Pompeu de Toledo e resolvi pesquisar sobre Horácio Sabino, que é citado no livro. Encontrei esse post com memórias afetivas de sua bisneta e fotos maravilhosas da linda casa. Parabéns pelo site!
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Luciana Cotrim
O livro A Capital da Vertigem é excelente. Muitíssimo obrigada pelo gentil comentário! Continue lendo as histórias dos casarões e seus proprietários da Avenida Paulista!
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Marcelo Bruno Rodrigues
Um art-nouveau sans-pareil (sem igual) o da casa do Horácio Sabino.
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Fernando Fernandes Da Fonseca
Vocês eram proprietários da fazenda São João do Inhema em Júlio Mesquita/SP?
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Luciana Cotrim
Não sou da família, apenas escrevi o texto, por isso não sei informar.
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Rubin Carter
Fazenda Santa Sylvia em mesquita
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