No último artigo apresentamos a história da família e o casarão de Francesco Matarazzo na Avenida Paulista (Pode ser lido aqui). Hoje a narrativa conta a reforma feita no casarão e a vida de Francisco Matarazzo Jr, o Chiquinho e, seu primo, Francisco Matarazzo Sobrinho, o Cicillo.

Depois deste casarão
Penúltimo dos treze filhos de Francesco Matarazzo, nascido em 1900, Francisco Matarazzo Júnior foi escolhido pelo pai para sucedê-lo no comando do grupo IRFM após a morte de seu irmão Ermelino, que era o sucessor cotado para o cargo.
Assim, no início da década de 1940, o Conde Chiquinho mandou elaborar um novo projeto para a mansão que, por isso, sofreu uma grande reforma em sua estrutura e arquitetura.

Este projeto é frequentemente atribuído a arquitetos italianos como Marcello Piacentini ou Vittorio Morpurgo, juntamente com Ricardo Severo & Villares, do escritório técnico de Ramos de Azevedo, que realmente fizeram um projeto que mostramos abaixo.

Mas as tratativas não agradaram a Francisco Matarazzo Jr., que resolveu procurar outra alternativa para desenvolver o projeto da casa.

Recentemente, em 2013, João Mascarenhas Mateus publicou um magnífico artigo com riqueza de detalhes que mostra que foi Tomaso Buzzi, arquiteto italiano, o verdadeiro responsável pelo projeto.

O projeto H de Tomaso Buzzi, um dos 7 outros apresentados à Matarazzo, foi aprovado.
Abaixo imagens de alguns ambientes do projeto: a perspectiva da variante H, que foi aprovada. Estudos para o terraço central, com diversas possibilidades de controle da luz solar. O pátio mediterrâneo num ambiente tropical e o frontão com escudo de armas, desenhado sobre fotografia enviada de São Paulo com a portaria existente antes do projeto.

As paredes do casarão tinham 60 centímetros de espessura e o pé-direito atingia 4,5 metros de altura. O acabamento e a cor das paredes deveriam combinar com o mármore travertino. Francisco Matarazzo Júnior dispunha de placas de travertino remanescentes do Edifício Matarazzo, atual sede da Prefeitura, que revestiram alguns ambientes da mansão.


O palacete com área de 4 400 metros quadrados, implantado num terreno de doze mil metros quadrados de jardins. Contava com dezenove quartos, dezessete salas, três adegas, refeitórios, uma cozinha com azulejos até o teto e uma biblioteca repleta de livros raros.

Em seu artigo, Mateus conclui a respeito da construção da mansão:
A vila Matarazzo na avenida Paulista é, antes de mais nada, uma encomenda italiana numa cidade metrópole que se sentia plenamente cosmopolita.
Os Matarazzo eram duplamente brasileiros e italianos, e, por isso, é natural que tenham recorrido a um arquiteto italiano totalmente reconhecido e integrado na elite italiana dessa época, em que os Matarazzo procuravam criar novas raízes, por casamentos e investimentos do mais alto nível.
A gramática usada não é, pois, a do neocolonial ou do modernismo racional. Ela deve fazer ver, de forma elegante, contida e erudita, as raízes e o cosmopolitismo de Francisco Matarazzo Júnior. E, ao mesmo tempo, utilizar materiais representativos da Itália, desde o tradicional travertino, aos expoentes da alta tecnologia, como os rebocos Terranova ou os vidros Securit.

Outra grandiosidade era o brasão da família de 150 quilos, esculpido em mármore Carrara, que decorava o pórtico de entrada. Logo, o local se tornou um ponto de visitação. Nas histórias que contam sobre o local, uma delas é que o conde Francisco Matarazzo costumava passear pela calçada em frente da propriedade depois do trabalho, e que simpaticamente cumprimentava os transeuntes.

A decoração interior era composta por móveis venezianos, portas florentinas, mesas chinesas, pratarias e porcelanas de diversas proveniências, quadros de elevado valor de Rubens, Brueghel e Canaletto.
Em março de 2021, Andrea Matarazzo publicou em sua página do facebook fotos do interior da casa, que replicamos aqui para nosso deleite.




Foi neste período, que a casa adquiriu ares de museu, com quadros de artistas clássicos europeus e pintores contemporâneos brasileiros expostos por todas as paredes da residência.

A mansão foi palco de muitas comemorações: jantares, festa e celebrações sociais tiveram a casa como cenário fabuloso. Uma das maiores festas que ocorreu na cidade naquela época foi intitulada pelo jornalista Joel Silveira no artigo “A milésima segunda noite da avenida Paulista”, em 1945, comemoração que marcou o casamento de Filomena Matarazzo, a Filly, com o milionário carioca João Lage. A festa teve duração de três dias e três noites e todos os convidados saíram da casa, de 16 salas e 19 quartos, agraciados com canetas tinteiro banhadas a ouro.
A elegância desses eventos pode ser vislumbrada, na foto abaixo, de um jantar da família de Chiquinho Matarazzo Jr, em que os presentes são servidos por garçons com luvas. Reparem na grandiosidade do lustre acima da mesa de jantar.

Claro que as viagens em família também eram muito frequentes. Poderia ser para a Fazenda Amalia de sua propriedade ou a qualquer lugar do mundo.


Na foto, a família Matarazzo reunida em viagem para a Europa na da década de 1950. Ao centro, a Condessa Mariângela e a sua filha Maria Pia, atrás dela, o Conde Francisco Matarazzo Jr.
Com toda essa riqueza e visibilidade, claro que família era alvo das grandes publicações e revista da época, como podemos ver nas imagens acima e, esta abaixo, da série de fotografias realizadas por Dmitri Kessel, em 1947, para a revista Life.

Chiquinho e Mariangela tiveram cinco filhos, Ermelindo, Eduardo, Francisco, Filomena, e escolheu como sucessora a caçula, Maria Pia Matarazzo, o que também desagradou os outros herdeiros, gerando inclusive disputas judiciais.
Em 27 de março de 1977 morre Francisco Matarazzo Jr e, junto com ele, um tempo e um estilo de bem viver das grandes famílias que construíram São Paulo e o Brasil.


Francisco Matarazzo Sobrinho, o Cicillo Matarazzo, sucedeu o tio Francisco Matarazzo Jr nas atividades sociais, como ele, era um grande anfitrião de jantares e festas. Uma outra grande festa, em 1973, aconteceu nas bodas de ouro do conde Chiquinho e de D. Mariângela, inclusive com apresentação do Royal Ballet de Londres.

Cicillo era filho de Andrea Matarazzo um dos irmãos do conde Francesco Matarazzo. Casou-se em 1943, com Yolanda Penteado, que era grande incentivadora e mecenas das artes plásticas. Além de empresário, Cicillo fundou, em 1948, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e em 1951 a Bienal Internacional de Arte de São Paulo, entidade que presidiu até a data de sua morte.

Com o amigo de infância e engenheiro Franco Zampari, fundou o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e foi também um dos fundadores dos estúdios da Companhia Cinematográfica Vera Cruz.

Além disso, Ciccillo presidiu a Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo. O local escolhido para sediar a maior festa e parte dos eventos foi o Ibirapuera, onde se planejava construir um grande parque, com edificações projetadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer.

Helio Bertollucci Jr descreve que em seu site que
“a fase aristocrática do terreno só iria diminuir a partir da década de 1980, após a morte do seu morador mais longevo, Francisco Matarazzo Sobrinho, em 1977. Logo após, a residência serviu de domicílio para Maria Pia Matarazzo, filha de Chiquinho e que havia assumido as empresas da família e sua mãe, a Condessa Mariângela, que viveu até os 100 anos de idade, falecendo em 1996. A casa ficou habitada até 1989, quando a Condessa se mudaria para um apartamento junto com sua filha Maria Pia na região da Rua da Consolação”.

Voltando a nossa casarão! O imóvel chegou a ser tombado em 1989 pela Prefeitura de São Paulo, na gestão da ex-prefeita Luiza Erundina, que tinha intenção de transformar a casa no Museu do Trabalhador.
Segundo o texto de Everton Calício, na página Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo – IRFM – Memória e preservação:
O processo de tombamento foi bastante arrastado. A prefeitura saiu na frente, e em 16.03.1990 o CONPRESP (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) tombou o imóvel por unanimidade de votos. O órgão entendeu que se tratava um bem de interesse cultural e ambiental, com valor simbólico e de referência urbana.

Em março de 1989, os herdeiros da família que eram interessados em vender aquele que era um dos terrenos mais caros do país, tentam implodir o imóvel, que resiste à ação de explosivos.

Segundo Calício, na gestão Paulo Maluf (1993-1996), uma medida judicial suspendeu os efeitos do tombamento, e a mansão foi derrubada, conservando-se apenas a portaria, a única parte que foi mantida foi o brasão da família.

Em 1995, a família transformou os antigos jardins da mansão em estacionamento para fazer receitas para pagar o valor milionário do IPTU do local, cerca de R$ 400 mil reais por ano. Finalmente, não resistindo mais, a Mansão Matarazzo acabou desabando em janeiro de 1996, levando consigo parte da história da cidade e de seu desenvolvimento.

Por fim, o que havia sobrado da antiga mansão, o pórtico de entrada mais a antiga entrada pela Rua São Carlos do Pinhal e alguns bancos foram demolidos em 20 de maio de 2011 para dar lugar a futura Torre Matarazzo e o Shopping Cidade São Paulo, que deve ser inaugurado até o final da próxima semana.






Segundo o site Cafeicultura, do contrato de R$ 125 milhões, a família recebeu R$ 45 milhões em dinheiro e o restante em permuta de 12 mil m² de área construída na torre comercial que erguida no local.
Tudo será dividido em cinco partes entre os herdeiros de Francisco Matarazzo Junior: Maria Pia Matarazzo, Filomena Matarazzo, a Filly, Francisco Matarazzo III, Helene Matarazzo, viúva de Ermelino, e Eneida Matarazzo, viúva de Eduardo Matarazzo.
Andrea Matarazzo, em sua página do facebook, descreve o acontecimento com outors detalhes. Ele diz:
Em 89 a prefeita Erundina decidiu tombar o imóvel para transformá-lo no “museu do trabalhador” projeto que obviamente não foi adiante, mas impediu o projeto dos proprietários de construírem uma torre em uma parte do terreno, mantendo lá a casa inteira com todos os móveis e obras de arte como o Museu Conde Francesco Matarazzo. Retirado pela justiça o tombamento a casa foi demolida em 95/96 se não me engano.
Que pena! Será que isso teria acontecido? Bom, para a memória, ficamos então com uma galeria de fotos da mansão Matarazzo que se tornou um ícone, representante de uma época da cidade de São Paulo.
Depois que as duas partes da saga da família Matarazzo foram publicadas, aconteceram muitas manifestações e comentários de pessoas que tinham parentes ou amigos que trabalharam para a família. Em sua grande maioria, os depoimentos eram positivos e de elogios para os Matarazzo.
Em homenagem a todos que trabalharam para a família compartilho uma montagem com fotos gentilmente enviada por um leitor chamado Sergio. Trata-se do avô materno dele, que chefiou a segurança na portaria da mansão na Paulista. Seu nome era Antônio Gimenez Prior Filho. Vejam que lindas as fotos, curioso que em ambas, ele está perto de cachorros. Provavelmente deveria gostar de animais.

Na parte 1 dessa história, com uma foto do portão da casa, começamos com um convite para adentramos a história de Francisco Matarazzo e agora, com o fim do casarão e da história, fechamos com aquele que foi o último portão da mansão e a volta à realidade atual. Até a próxima!

Contribua com a Série Avenida Paulista: se tiver uma foto antiga em que este casarão/edifício/local público apareça ou se conhecer alguém que possa fornecer mais informações sobre a residência ou edifício e pessoas relacionadas (família, amigos e outros), entre em contato com a gente. Muito obrigada!
















15 thoughts on “A saga da família Matarazzo e a mansão na Paulista – Parte 2”
Gerard
Li com o coração apertado. Um crime terem demolido um pedaço da história do Brasil. A ignorância cultural da Maria Pia e de nossos governos que nos sirvam de lição. Muito muito triste esse final melancólico.
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Pingback: O Shopping Cidade de São Paulo e a Torre Matarazzo | Série Avenida Paulista
Ariane Lira
Imagino que a própria família não se importou em manter a história, (claro que 9 milhões na conta de cada um era mais atrativo; e não sei se tinham dinheiro para pagar o IPTU e fazer as manutenções que o imóvel precisava), mas isso mostra como o nosso povo não dá valor para a história (história nenhuma). E o povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la. Quis só fazer uma analogia.
Eu adoro história e sou meio nostálgica.
Ah Faltou falar do mausoléu da família no cemitério da Consolação, é lindo!
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Natalia Sadocco
Quem ficou na mansão não teve tanto crescimento financeiro comparado ao crescimento da manutenção e do IPTU, virando um elefante branco para a família que optou pelo mais prático, infelizmente não conseguiram preservar o que o avô deixou
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Mara Duarte
A falta de valorização de imoveis antigos no nosso país e um absurdo, em vários outros lugares a família ficaria isenta de impostos para poder preservar o local. Você saberia me informar se o castelinho, foi vendido por esse mesmo motivo?
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Luciana Cotrim
Concordo totalmente. De qual castelinho você se refere?
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ANTONIO CLÁUDIO GOMES
Eu gostaria de saber se a mansão situada à Rua Guatemala, 193, Jardins, que foi cenário da novela Ninho da Serpente, exibida pela Band em 1982 e que segundo consta no Google Maps hoje abriga o Consulado Geral da Costa Rica também pertence/eu à Família Matarazzo.
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Luciana Cotrim
Olá Antonio, como vai? Infelizmente não temos informações sobre essa mansão. Talvez você consiga algo nas páginas do facebook de Andrea Matarazzo ou Industrias Reunidas Matarazzo.
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RODRIGO
Sim, essa casa era do filho do Conde Chiquinho, Eduardo Andrea Matarazzo
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Luciana Cotrim
Olá Rodrigo, muito obrigada por responder para nosso leitor.
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RODRIGO
Sim, essa casa foi presente de casamento para o filho de Francisco Matarazzo Júnior, Eduardo Andrea Matarazzo
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Elisabete Monteiro
Gostaria de Saber sobre Andrea Matarazzo, que casou se com Maysa. Linda a história deles dois pena que com final infelizes para os dois.
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Maria da Conceição Ferreira.
Li as 2 publicações desta mansão,e gostei muito.
Neste artigo,mostra o Brasão da Família Matarazzo em mármore sendo recortado das parede da casa.
Ele foi para alguma propriedade dos descendentes ?
Que fim levou o Brasão ?
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Luciana Cotrim
Sei que ficou com a família, mas não sei para onde foi levado.
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Biro Ernesto Zeitel
O Padre da familia era o Pe.Edison Franco,da Congregação dos Padres Sacramentinos,
da Igreja de Santa Ifigenia.
BiroZeitel
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