A Série Avenida Paulista apresenta mais uma casa que ficava em uma esquina importante da avenida, a esquina com da Avenida Brigadeiro Luis Antonio. A propriedade era no atual número 664, que, naquela época, tinha o número 113 e era a residência da família do Sr. Abrahim Maluf.
A imagem acima exibe a casa fotografada pelo lado da Avenida Brigadeiro Luis Antonio e mostra algumas características de seu terreno: mais estreito no lado da Avenida Paulista e bem profundo pelo lado da Brigadeiro.
Mas antes de apresentarmos detalhes da casa, vamos conhecer um pouco mais sobre o seu proprietário, o Sr Abrahim Maluf. Ele nasceu no Líbano, em 1884 e quem contará essa bela história será o Sr. Luiz Fernando Maluf, bisneto do Sr. Abrahim, proprietário da casa, que gentilmente compartilhou conosco algumas lembranças familiares. Temos muito a agradecer ao Sr. Luiz Fernando por essa contribuição.
Luiz Fernando conta sobre o bisavô:
Abrahim Maluf imigrou da cidade de Baalbek no Líbano para o Brasil na virada do século 20. Inicialmente veio sozinho e foi trabalhar de mascate nas fazendas da região de Tambaú, no estado de São Paulo.
Carregava duas malas em suas costas sobre uma vara de guatambu – uma árvore alta e frondosa -, fato este que o fez ficar com os ombros tortos, deformidade esta que depois virou motivo de grande orgulho por parte dele.
Quando conseguiu se estabelecer, voltou ao Líbano para trazer para o Brasil sua noiva, a Sra. Essem Ara Maluf, sua mãe, Sra. Latif e seus irmãos Nagib e Elias, entre outros.
Abrahim Maluf, juntamente com seus irmãos e filhos, dedicaram-se à extração e ao comércio de madeiras. De Tambaú, ele veio para São Paulo, onde radicou-se na rua Barão de Duprat e de lá mudou-se para a Avenida Paulista.
Expandiu seus negócios para Minas Gerais e Paraná, além das cidades de Santo André e Santos.
Verificamos em notícias de jornais da época, que ele tinha propriedades na região de Santana e na Cantareira, inclusive foi neste caminho que um dia sofreu um grave acidente.
Vejam a notícia publicada no jornal Correio Paulistano em 1938, sobre o acidente.
Interessante refletir sobre os costumes de cada período da história. Nesta época, era hábito dos homens viajar nos estribos do bonde. Não era proibido. Atualmente, se não usarmos o cinto de segurança no carro, somos multados. É a evolução dos tempos.
Outra questão interessante, muitos imigrantes daquele período, “aportuguesavam” seus nomes, como pode ter acontecido com o Sr. Abrahim que, usou Abrahão. Muitos dos imigrantes solicitaram, inclusive, cidadania brasileira.
Luiz lembra de muitas histórias da família, que guarda para contar para futuras gerações, como a de sua tia:
Um fato curioso é que a residência de Gabriela Dumont, irmã do Sr. Alberto dos Santos Dumont também ficava na Av. Paulista (você pode ler o artigo desta casa clicando aqui) e eram vizinhos da minha família.
Minha tia Durvalina Maluf, morava na casa da Paulista quando do falecimento do Santos Dumont e uma história que ela sempre contava era do dia em que esteve no velório do Santos Dumont. Nós brincávamos muito com isso, com ela. Ela era um verdadeiro livro vivo sobre a história de São Paulo.
Uma outra história familiar, além de interessante, ajuda posicionar a época. Meu avô (que era filho do Sr. Ibrahim) e minha avó eram vizinhos na Rua Barão de Duprat, onde a família morava antes de ir para a Avenida Paulista. Minha avó havia ficado órfã quando era criança. Eles se casaram em 1924, acho que em fevereiro e foram morar no bairro de Santana.
Meu avô Alfredo era um dos envolvidos na revolução de 1924. Em novembro deste ano, minha avó estava grávida da minha tia mais velha, a Tia Durvalina, quando o exército levou preso meu avô. Minha avó, então, teve que fugir, e fugir a pé, para a casa do sogro que, na época, já era na Avenida Paulista. Quando lá chegou, devido ao esforço e ao terrível susto que levou, deu à luz, prematuramente, a minha tia.
Meu avô ficou preso até 1925, quando conseguiu sair, tiveram que se mudar para o interior do Paraná, para que ele ficasse escondido no fim do mundo. Como eles não tiveram condições de levar junto uma criança de 1 ano de idade, deixaram a Tia Durvalina com os avós na casa da Paulista, e foram sozinhos para lá, onde tiveram mais 4 filhos, sendo meu pai o caçula.
Lá ele montou a empresa que se chamava Serraria Central do Paraná.
Os homens posam na frente da Serraria Central do Paraná. O Sr. Alfredo Maluf é o da esquerda.
Eu ainda tenho um armário de guardar alimentos, bem pequeno e bem simples, que foi feito pelas próprias mãos de meu avô, quando eles tiveram que “fugir” para o Paraná, pois quando lá chegou, não tinha nada, teve que fazer um lugar para guardar seus mantimentos e assim o fez.
Quarenta anos depois, em 1964, eu nasci e a casa da Av. Paulista já havia sido demolida. Ocorreu então que minha mãe trabalhava na General Motors do Brasil e então eu fui praticamente criado por essa minha tia Durvalina que morou sua infância e juventude na casa da Av. Paulista. Por esse motivo é que praticamente 2 gerações se pularam e eu vim a escutar tantas coisas de lá.
Meu avô, depois de ter participado das revoluções de 1924, 30 e 32, foi o primeiro Maluf a entrar para a política. Mudou-se para a cidade de Santo André onde foi vereador e prefeito. Lá foi um dos autonomistas que separaram os municípios do ABC, que até então eram um só município.
Outra coisa: Vocês devem estar se perguntando se éramos parentes de Paulo Maluf, não é mesmo? Meu bisavô era parente do Sr. Salim Farah Maluf, pai do Sr. Paulo Salim Maluf, mas não temos mais contato com essa parte da família.
Lembro-me também de duas outras histórias que minha tia contava, uma delas era que ela gostava de ir em uma padaria que ficava na Rua Brigadeiro Luis Antonio, padaria esta que se chamava “Pão de Açúcar” que originou o grande grupo comercial, que era do empresário Abilio Diniz e hoje pertencente ao grupo francês, Casino. Era apenas uma lojinha.
Outra história que também contava, era que ela adorava descer a Avenida Brigadeiro para ficar observando o Vitor Brecheret esculpindo – no lugar onde hoje se encontra – o monumento das bandeiras.
Visão parcial da casa, pelo ângulo da Avenida Paulista.
Sobre a casa a da Avenida Paulista, o Sr. Luiz conta que:
O portão principal ficava de canto, na esquina, e um outro ficava na Avenida Paulista. Na lateral da casa – que era a Rua Brigadeiro Luis Antonio, haviam algumas lojas comerciais que eram dele também, e ele as alugava.
Minha tia sempre contava histórias do “Salão Verde”, que era o local onde se realizava os grandes eventos importantes na casa.
Parte do mobiliário e dos utensílios do casarão da Paulista estão hoje em minha casa e pasmem: muitos ainda estão em uso diário. Hoje sento nas poltronas e sofás que foram dessa casa, minha roupa está guardada no guarda roupa que era dele e até os lençóis, de algodão egípcio, bordados com o monograma “A&E” – Abrahim e Essem estão sendo usados.
Após a morte de meu bisavô, a casa foi vendida e deu lugar ao primeiro edifício construído na Avenida Paulista.
A casa cumpriu seu papel como lugar de morada de uma família libanesa, que veio para o Brasil para fazer a América, e prosperou com várias outras famílias de imigrantes que tiveram residência na Avenida Paulista.
Em nossas pesquisas verificamos que este endereço recebeu um outro ilustre morador: o Sr. Sylvio Brand Correa, advogado, que atuou na indústria têxtil, membro da FIESP – Federação das Indústrias de São Paulo. Em 1939, fundou com Sebastião Camargo uma pequena construtora, a Camargo Corrêa & Cia Ltda Engenheiros e Construtores, com um capital de 200 contos de réis.
Ficou conhecido como um dos fundadores da Construtora Camargo Correa. Aliás, o segundo nome da construtora é o seu sobrenome. Vejam só, a empresa cresceu muito na época em que o governador de São Paulo era Adhemar de Barros, que era cunhado de Sylvio Brand Corrêa. Ummmh, sei!
Os três sócios da Camargo Correa: Sebastião Ferraz de Camargo Penteado, Sylvio Brand Corrêa e Mauro Marcondes Calasans.
Provavelmente ele tenha sido um dos primeiros moradores do Edifício Regina, que foi construído no lugar da casa, para ser um prédio residencial, com um apartamento por andar, que vocês poderão conhecer no próximo texto.
Contribua com a Série Avenida Paulista: se tiver uma foto antiga em que este casarão/edifício/local público apareça ou se conhecer alguém que possa fornecer mais informações sobre a residência ou edifício e pessoas relacionadas (família, amigos e outros), entre em contato com a gente. Muito obrigada!
ASérie Avenida Paulista conta as histórias dos casarões e das famílias que moravam na avenida e, também, dos edifícios que foram construídos em seus lugares.
Escrita por Luciana Cotrim, a série conta a história de mais de 80 casarões do século XX e dos edifícios atuais.
One thought on “A casa de um Maluf na Avenida Paulista”
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