Hoje a Série Avenida Paulista conta a história da casa que ficava no número 62 da avenida, atual número 1.765. Não temos imagens da fachada da casa, a única foto externa é esta, em que aparece a lateral e o telhado, entre os edifícios Baronesa de Arary, ainda em construção, e o Edifício Ariona, que foi demolido em 2001 para a construção do Edifício Serplan – Tricury, sendo atualmente a sede do Banco Daycoval.

Única foto externa da casa, em que aparecem a lateral e o telhado, entre os edifícios Baronesa de Arary e o Edifício Ariona
Berlinck: os primeiros moradores
Identificamos que entre 1917 e 1930 consta como morador da casa o Sr. Horácio Berlinck Cardoso, de quem contamos parte da história. Ele nasceu em Florianópolis, no dia 17 de janeiro de 1868. Estudou contabilidade industrial com o escocês David Justice. Tornou-se economista e foi secretário de finanças e vereador em São Paulo.

Berlinck foi um renomado professor de contabilidade da Escola Politécnica a partir de 1895 e do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e um dos fundadores da Escola Prática de Comércio, em 1902, que depois veio a se tornar a Escola de Comércio Álvares Penteado.
Um texto publicado no site São Paulo in Foco informa como ocorreu a fundação da Escola. Segundo o site, “no dia 20 de abril de 1902, o projeto da Escola de Comércio, foi apresentado na Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio de São Paulo. A ideia foi abraçada pelo presidente da instituição, Raymundo Duprat, e dos sócios presentes: Horácio Berlinck, João Pedro da Veiga Filho, Antonio de Lacerda Franco, Frederico Vergueiro Steidel e Conde Antonio Álvares Leite Penteado. (…)”

Escola de Commercio Álvares Penteado
(…) No ano de 1905, (..) o Conde Alvares Penteado doou uma grande área de um terreno e construiu o prédio que passou a abrigar a escola. E, por isso, foi homenageado, sendo batizada a escola com seu nome.”
Por conta de sua experiência na Escola de Comércio Álvares Penteado, Horácio Berlinck foi convidado pelo governo brasileiro para atuar com políticas educacionais, sendo um importante colaborador das reformas do Ensino Secundário de 1905, 1926 e 1931.
No livro “História da Universidade de São Paulo”, de autoria de Ernesto de Souza Campos, um dos parágrafos descreve a respeito dele:
“Berlinck era homem modesto, singelo e extremamente distraído. Na Escola Politécnica, em dia de intensa chuva, mas em que êle já se encontrava no prédio com os estudantes, um dêles perguntou se daria aula com tanta chuva. Surpreso e interrompendo suas infinitas cogitações, declarou que não, e lá se foi, debaixo de forte aguaceiro.”
História da Universidade de São Paulo – Ernesto de Souza Campos
Era um homem boníssimo, com grande espírito de cooperação.
O Sr. Berlinck casou-se com Benedita de Godoi e, com ela, teve cinco filhos: Ciro, Nelson, Maria de Lourdes, Noemi e Ruth. Esta última faleceu em fevereiro de 1992, aos 90 anos e Noemi, aos 104 anos, em janeiro de 2008. Talvez toda a família tenha residido na Avenida Paulista.
Morreu a 20 de setembro de 1948, aos 80 anos, enquanto ocupava o posto de Diretor-Presidente da Escola Álvares Penteado. Legou sua missão aos filhos e netos.
Sobre a casa da Avenida Paulista, número 62, que ficava entre as Alamedas Ministro Rocha Azevedo e Peixoto Gomide, infelizmente não conseguimos localizar uma foto da fachada da casa e de seu interior, mas na imagem abaixo podemos ter uma ideia de como era.

Não sabemos se a casa esteve com a família durante toda a década de 30 e inicio de 40, mas sabemos que, por volta de 1946, a casa foi vendida para a família de Taufic José Bunducki.
Contribua com a Série Avenida Paulista: se tiver uma foto antiga em que esta casa apareça ou se conhecer alguém da família Berlinck que possa fornecer mais informações sobre a residência e a família, entre em contato com a gente. Muito obrigada!
A história da Família Bunducki

A família Bunducki, da esquerda para a direita: a mãe, D. Elisa, o irmão, Samir, D. Nádira, o pai, Taufic e a irmã, Samira.
Como já descrito em outros artigos da Série Avenida Paulista, foram os sírio-libaneses que ocuparam a Paulista neste período. Eles são a segunda geração de moradores da avenida. E esta é mais uma história de uma família síria que veio para o Brasil.
A história desta casa foi escrita com a participação especial da Sra. Nádira, que morou na Avenida Paulista e é filha do Sr. Taufic e, sua esposa, Elisa Stefano Bunducki. A Sra. Nádira, muito gentilmente, nos presentou com a história, escrita por ela mesma, em papel almaço. Não é maravilhoso? Por isso, agradecemos imensamente e, para que todos possam curtir esse gesto admirável, iremos publicar alguns trechos escritos por ela. Confira na galeria abaixo os manuscritos desta história!




D. Nádira inicia sua narrativa contando sobre o seu pai:
Com muita alegria e satisfação me foi solicitado para escrever ou falar a respeito de minha casa situada à Av. Paulista nº 1765. Não posso falar a respeito da Av. Paulista, sem comentar sobre meu pai. Ele veio da Síria com 14 anos, com um tio e deixou seus pais e seus seis irmãos. Trabalhou muito até ser um grande empresário. Logo toda sua família vieram (sic) para o Brasil. Casou com minha mãe que era brasileira, cujos pais eram sírios. Teve as lojas Galeria das Meias, situada à Rua Direita, Casa das Borrachas na Praça da Sé nº 100, e 1 loja na Praça Paissandu que era com variedades de artigos de borracha (…)
– Trecho da carta de D. Nádira para a Série Avenida Paulista
O Sr. Taufic foi um homem atuante na vida profissional e na comunidade síria também, sendo um dos fundadores do Hospital do Coração e do Lar Sírio que, atualmente, atende 3.000 crianças, adolescentes e suas famílias todos os meses. Da família, o ex-presidente do Lar Sírio, o Sr. Emílio Bonducki disse “Cada criança é um ser inédito. Uma palavra de Deus, que não se repete mais.”
Como muitos dos imigrantes sírios, o Sr. Taufic também iniciou sua vida profissional no comércio. Teve uma grande loja no setor de vestuário que, em seu caso, era uma galeria de meias. Pelo que pudemos apurar, era um estabelecimento bastante conhecido e diversificado, como mostra o anúncio publicado em 28 de setembro de 1938 no jornal Correio Paulistano.

Anúncio da Galeria das Meias, de propriedade do Sr. Taufic Bunducki, no jornal Correio Paulistano, em 1938
Vamos voltar à história da casa dos Bunducki na Avenida Paulista. Dona Nádira contou que, quando compraram a casa, enquanto era reformada, os pais foram a passeio para uma viagem à Europa. Ela e seus irmãos ficaram durante dois meses em um apartamento na Alameda Santos. Depois disso, todos foram morar na casa!
Na foto seguinte, em um registro de uma comemoração, podemos ver um pedaço da parede da fachada da casa, em que parte era revestida com pedras baianas, na lateral esquerda um fragmento da grade da janela e a escada que dava acesso à entrada principal da casa.

Parte da fachada da casa da Família Bunducki, em um registro de comemoração
Vamos, então, às belas recordações da Sra. Nádira, com uma descrição minuciosa. Com nossa imaginação ao ler, somos transportados para dentro da residência: aproveitem desta linda casa.
Retornando: Nós morávamos em uma mansão na Av. Brigadeiro Luiz Antonio, que era linda e bem moderna. Como a Brigadeiro era íngreme, meu pai resolveu comprar uma casa na Avenida Paulista. Isto foi mais ou menos no ano 1946 a 1948. Quando comprou, era uma residência antiga que ele transformou em uma casa totalmente moderna, clara e cheia de luz. Sua metragem era mais ou menos 20 metros de frente por 65 metros de fundo, isto é, mais ou menos 1.300 m2. Era térrea apesar de ter no subsolo outras dependências. Na entrada havia um hall social todo de vidro, depois uma sala grande, que de um lado ficava a sala de visitas (como antigamente chamávamos) e do outro lado a sala de jantar, tudo muito espaçoso (…)
– Trecho da carta de D. Nádira para a Série Avenida Paulista
Um pouco destes ambientes podemos ver nas lindas fotos do casamento de seus irmãos gêmeos, Samir e Samira.

Casamento de Samira. A irmã vestida de noiva sentada, com o buquê ao lado, em um lindo sofá com capitonè e, no piso, um grandioso tapete persa. O elegante casal posa para foto na sala de visitas.

Casamento de Samir com Ivone. Na primeira foto, à esquerda, o vemos abraçando o pai nos fundos da casa (vê-se uma parte da janela). Na foto de baixo, uma parte do salão de festas que ficava no andar inferior – D. Nádira é a jovem ao centro de vestido branco. Nas duas fotos à direita, pedaços da decoração da sala de visitas.
E, claro, não podíamos deixar de mostrar o casamento de D. Nádira com Wadi, realizado em 7 de janeiro de 1961 na Igreja Ortodoxa do Paraíso, com a recepção no apartamento da Avenida Brigadeiro Luis Antonio, pois nesta época, a família já tinha saído da casa da Avenida Paulista. Na terceira foto, D. Nádira posa com seus pais – Taufic e Elisa.

Casamento de D. Nádira com Wadi, realizado em 7 de janeiro de 1961 na Igreja Ortodoxa do Paraíso
Continuando com sua detalhada descrição da casa:
Este corredor ia até a parte de trás, que era maravilhosa. Lá ficavam as salas de almoço, tudo amplo, e uma sala redonda toda circundada com vidros, que era sala de estar ou TV.
Esta sala redonda dava para o jardim, onde tinha um gazebo com um chafariz, com bonita arquitetura. Este espaço era encantador com colunas brancas, tudo muito moderno para a época.
Aos domingos e feriados eles gostavam de receber para um aperitivo. Na parte de baixo (isto é, no subsolo) da casa, ficavam as dependências dos empregados e mais na frente, acompanhando a estrutura da parte de cima da casa, ficavam um salão de festas, um escritório e uma sala e jogos com copa e cozinha de apoio.
– Trecho da carta de D. Nádira para a Série Avenida Paulista
A bela arquitetura do jardim, com o gazebo e o chafariz pode ser apreciada nas fotos abaixo, tiradas de porta-retratos, de D. Nádira, em dois momentos diferentes de sua vida. Nas duas primeiras, ainda menina e na última imagem, uma bela jovem com seu cãozinho de estimação.



D. Nádira também nos contou um pouco de sua vida na casa da Paulista:
Eu gostava de estudar na sala de almoço, cujas janelas eram amplas e dava para ver o jardim da Baronesa de Arari. Todas as manhãs, lembro bem, e às tardes, as cuidadoras da Baronesa passeavam com ela no jardim, que mais parecia um bosque com tantas árvores e plantas que circundavam o casarão. Passando alguns anos, começou a construção do prédio que seria o Condomínio Baronesa de Arari.
– Trecho da carta de D. Nádira para a Série Avenida Paulista
A história da casa da Baronesa de Arary também será contada na Série Avenida Paulista, em seguida. Quem quiser conhecer um pouco mais desta grande personagem paulistana, que foi bastante presente na infância de D. Nádira, é só acompanhar as próximas publicações.

D. Nádira entre os irmãos gêmeos Samira e Samir
Sobre si e seus irmãos gêmeos, Samir e Samira, que aparecem na foto acima, D, Nádira lembra dos casamentos:
Nós três estudamos no Dante Alighieri e logo os meus irmãos (que eram gêmeos) casaram, uma em 1954 e outro em 1955. Os dois noivados e casamentos foram em casa. Naquela [época] existia o famoso Fasano, que organizou as festas, pois a casa comportava recepções.
Lembro também que o Fasano abriu no Conjunto Nacional, no segundo andar, um grande salão de festas e também no térreo, isto é, na calçada da Paulista, uma grande casa de chá e restaurante, que nas noites de verão dava para ir passeando.
– Trecho da carta de D. Nádira para a Série Avenida Paulista
Evento social no salão do andar superior do Restaurante Fasano, na Avenida Paulista. Imaginem os passeios neste lugar na década de 50. Uma maravilha!
Para terminar sua narrativa, D, Nádira como foi a saída da família da residência e o empreendimento que seu pai fez com a casa: o restaurante Cleópatra.

Anúncio do restaurante que foi publicado no Jornal Folha da Manhã, (atual Folha de São Paulo), em 19 de junho de 1959
Após o casamento de meus irmãos a casa ficou grande para nós três. Então nós mudamos para uma menor, que ficava na Alameda Santos, nº 772. Na casa da Paulista meu pai resolveu abrir um restaurante de alto padrão, que seria o Restaurante Cleópatra, que ficou muito conhecido e famoso, porém por pouco tempo. Depois de alguns anos, houve uma mudança política no País, junto com uma grande crise, e os negócios tiveram que mudar.
Para encerrar o artigo de hoje, gostaríamos, mais uma vez, agradecer a D. Nádira e, seu marido, o Sr. Wadi, por ter nos recebido em sua casa e, naquela tarde muito agradável, ter compartilhado a história da casa e dos moradores da Avenida Paulista, 1.765.
Em agradecimento, ratificamos e publicamos a homenagem recebida por ela, em nome da família, ofertada pelo Club Sírio, na comemoração dos 100 anos da instituição.

D. Nádira recebe homenagem no centenário do Club Sírio
Na próxima publicação, contaremos a história do Edifício Scarpa, que foi construído no local onde se encontrava a casa.
Contribua com a Série Avenida Paulista: se tiver uma foto antiga em que este casarão/edifício/local público apareça ou se conhecer alguém que possa fornecer mais informações sobre a residência ou edifício e pessoas relacionadas (família, amigos e outros), entre em contato com a gente. Muito obrigada!
4 thoughts on “A casa onde viveram as famílias Berlinck e Bunducki”
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Luciana Cotrim
Linda história.
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Luciana Cotrim
Obrigada.
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