Hoje contaremos a história da mansão de número 55 da Avenida Paulista, que pertenceu ao advogado João Gonçalves Dente.
Nascido em 6 de dezembro de 1874, filho de Pedro Gonçalves Dente e Fortunata Eugenia da Cruz Dente, João Dente formou-se na Faculdade de Direito em 1895, tornando-se advogado criminalista, com escritório na Rua Direita e, posteriormente, na Rua São Bento, no centro de São Paulo.
João Dente foi promotor público e, no início da carreira, muitas vezes jurado do Tribunal do Juri e, vejam só, sendo inclusive multado por ausência em algumas sessões. Foi também um grande investidor no mercado imobiliário.
Seu pai, Pedro, foi figura ilustre da época, tendo sido Oficial de Gabinete da Secretaria dos Negócios da Justiça e Segurança Pública e Contador do Tesouro Provincial da Província de São Paulo, tendo inclusive, em 1889, conseguido uma licença com prazo indefinido para cuidar da saúde. Ficou eternizado em pintura de Almeida Júnior realizada em 1892, que se encontra na Pinacoteca de São Paulo.
Dr. Pedro e sua esposa tiveram 4 filhos: João, Mario, Adelia e Lucilia Gonçalves Dente.
João Dente casou-se em 27 de março de 1897 com Maria Gertrudes de Faria, oriunda do município de Queluz, região em que sua família cultivava café em fazenda de grande área.
O livro Cidade: impasses e perspectivas, organizado por Maria Lúcia de Gitahy, conta que, apesar de Dente vir de família abastada, “segundo seu neto, Carlos Pompeo, o capital aplicado na Mooca e no Cambuci, veio em parte daí”. Descreve ainda sobre a moradia da família:
“O casal morou no distrito da Consolação, mudando-se, em seguida, em 1918, para a Avenida Paulista. O palacete ficava entre as Ruas Augusta e Peixoto Gomide”. Na planta original consta o nome de Luiz Pinto, mas o palacete foi construído para a família de João Dente, planejada com todo o requinte de um morador ilustre da avenida.
Vale ressaltar que a localização exata do palacete era no meio do quarteirão entre as Alamedas. Ministro Rocha Azevedo e Peixoto Gomide, do lado do sentido Consolação.
Uma análise muito interessante da decoração de alguns ambientes da casa do advogado foi publicada no livro Gênero e artefato: o sistema doméstico na perspectiva da cultura material – São Paulo, 1870 – 1920, publicado pela Editora da USP, de autoria de Vânia Carneiro de Carvalho. No livro, a autora analisa o mobiliário utilizado nas residências da época a partir da perspectiva do gênero humano – masculino e feminino – e sua força e influência na decoração da casa. Descrevemos o texto do livro com a análise detalhada dos ambientes da casa de João Dente.
Contrastes mais agudos podem ser observados na residência de João Dente, também na avenida Paulista, cujos interiores foram publicados na série Vivendas Paulistas da revista A Cigarra, em 1918. (…) Para a sala de jantar, o fotógrafo amador José Pereira Lima, (…) preferiu ser econômico, sintético, selecionando a essência desse espaço — a mesa e suas cadeiras.
A perpendicularidade dos móveis e do arranjo são reforçados pelo enquadramento simétrico — mesa e vaso ao centro, lustre e cadeira na mesma linha vertical como contrapesos entre os quadrantes superiores e inferiores da imagem, janelas e cadeiras em efeito de espelhamento — que expressa os sentidos de equilíbrio e perenidade da família, representada pelo seu patriarca.
O sentido vertical da imagem deu visibilidade ao teto trabalhado cm estuque quadriculado e ao lustre, lugar onde se concentrou a ornamentação. As janelas, que aparecem livres de lambrequins e cortinas, permitem a entrada direta da luz natural.
As cadeiras de couro com travas nas pernas e a mesa com acabamento nas laterais em tábuas largas, reforçando a impressão de madeira maciça, com pés proporcionais à espessura simulada do tampo da mesa, somam sentidos de estabilidade ao espaço da sala de jantar.
A sala de visitas da mesma residência apresenta-se em fotografia horizontal”, que valoriza a quantidade de elementos decorativos do assim denominado “salão nobre”. Os estilos sóbrios da sala de jantar, à inglesa, dão lugar aos estilos franceses espetaculosos dos luíses.
Vê-se também aqui o arranjo complexo do mobiliário, a variedade de formatos, a leveza das peças, o uso de cores e estampas no estofamento e, provavelmente, do dourado na madeira. Dois “bronzes” de valor puramente estético e uma pequena escultura encontram-se espalhados pela sala sobre colunas com formatos e materiais diferentes.
Na parede visível na imagem, o painel figurativo, em oposição à ornamentação geométrica da sala de jantar, encontra-se emoldurado por enfeites em estuque, ladeado por duas colunas de espelho também embutidas na parede e igualmente emolduradas. A luz que penetra a sala pela janela ovalada encontra a resistência de uma fina cortina arrematada por lambrequins.”
Abaixo ainda podemos ver outro ambiente, em dois ângulos diferentes, que corroboram com essa análise. O hall central e o jardim de inverno que também mostram uma fortaleza em seus móveis, como na sala de jantar, mas são emoldurados pela luz que penetra os ambientes pelas janelas da escada e do fundo do jardim.
Um investidor do mercado mobiliário
Como investidor, João Dente tinha muitas aquisições no mercado imobiliário, que abrangiam uma grande área da cidade, além da Moóca e Cambuci, como Sé, Santa Efigênia, Consolação e, em especial, a Vila América, onde se localizava a Avenida Paulista. Para se ter uma ideia, vejam a notícia para pagamento de impostos de 121 casas em vilas operárias na região da Moóca. Eram casas destinadas ao aluguel, cujo público-alvo eram os funcionários da fábrica da Antárctica.
Atrás da antiga fábrica da Antarctica na Moóca há uma pequena vila que foi batizada de Rua Coronel João Dente, em sua homenagem. Para ver as casas operárias, basta clicar no texto do site São Paulo Antiga, intitulado Casas Operárias – Rua Cel. João Dente.
Na própria Avenida Paulista adquiriu um grande terreno de Horácio Sabino, onde construiu cinco residências para aluguel. Em 1912, o investidor solicitou a Victor Dubugras o projeto para três casas na Paulista, esquina com a Rua Augusta, e mais duas menores de frente para a Rua Augusta.
A maior do conjunto de cinco casas projetadas por Victor Dubugras, em 1912. Na avenida também, Dente teve a casa de número 22, em que residiu por alguns anos, antes de mudar para a de número 55. Em 1917 esta casa já aparece em nome de Eloy Chaves.
Grande investidor como era, João Dente fez incursões em outras áreas. Comprou em 1915 o imóvel e o jornal A Gazeta que, depois de tentativas frustradas, após dois anos, percebeu que não tinha vocação para o jornalismo e se desfez da publicação.
Após a separação da esposa, Dente mudou-se para uma casa na Vila América. Em 1930, na lista telefônica, aparece apenas o nome da ex-mulher como proprietária da casa da Paulista, permanecendo na lista, pelo menos, até 1952.
Casou-se, ainda, pela segunda vez com Clelia Benini Rinaudo, com a qual teve três filhas: Jeanette, Clelia e Maria Antonietta. Em 27 de agosto de 1939 faleceu em sua casa na Rua Colômbia, no Jardim América.
Antes da construção do Edifício Grande Avenida que atualmente ocupa o terreno, teve a história de uma outra casa, com estilo moderno, que foi construída em seu lugar. Alguém saberia dizer a qual família pertencia?Gostaríamos de contar a história…
Contribua com a Série Avenida Paulista: se tiver uma foto antiga em que este casarão/edifício/local público apareça ou se conhecer alguém que possa fornecer mais informações sobre a residência ou edifício e pessoas relacionadas (família, amigos e outros), entre em contato com a gente. Muito obrigada!
5 thoughts on “A mansão de João Dente, o advogado e exímio investidor imobiliário”
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SILVANA RITA DENTE RIGOLINO
Hoje lendo esta publicação linda sobre casarões da Paulista, me chamou atenção o nome do Sr. JOÃO DENTE, porque meu avô também se chamava João Dente e moramos em Jundiaí, meu pai Pedro Dente, e o pai do meu avô veio da Itália, por coincidência meu filho mais novo estuda arquitetura e me falou se eu conhecia a história de João Dente que tinha uma Vila perto da Avenida Paulista em São Paulo, mas como nao conhecia não fui mais a fundo, mas hoje gostaria de saber mais informações da família para saber se existe um parentesco.
Muito obrigada
SILVANA RITA DENTE RIGOLINO
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Luciana Cotrim
Olá Silvana, desculpe a demora em respostar, mas fim de ano é corrido. Não tenho maiores informações da família, mas tenho contato com um descendente, se quiser posso enviar sua mensagem para ele e, se ele me autorizar, passo o contato. Feliz 2021!
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