A Série Avenida Paulista apresenta a casa de João Kück que ficava na avenida número 79, esquina com a Rua Pamplona, onde hoje é o número 1274 e se encontra o Edifício Asahi.
Foi um grande desafio descobrir a história do Sr. João Kück, pois não há muitas informações disponíveis sobre ele e, além disso, o alemão, naturalizado brasileiro em abril de 1903, usou dois outros nomes antes de adotar o João. Seu nome de origem é Johann Kück e, por um período, usou uma abreviação do nome, assinando Joh. Kück.
Depois deste casarão
Tanto dele, como sobre sua casa na Paulista não temos muitos dados ou fotos. Da mansão temos o desenho do projeto que foi realizado para sua construção e, a imagem que abre esse texto, um detalhe de uma foto panorâmica que mostra a casa na lateral.
A primeira notícia sobre o alemão data de 1894, quando a Avenida Paulista nem existia. Um anúncio da empresa The Singer Manucfaturing Company, que fabricava as máquinas de costura Singer, informando a saída da representação paulista, que ficava na Rua Florêncio de Abreu, 14. A devolução do imóvel como as dívidas ficaram a cargo de Joh. Kück.
Em 27 de abril de 1903, o Sr. Kück associou-se com o Hans Wanner e abriram a empresa Kück & Wanner para continuar a representar e importar as máquinas Singer.
Como mostra um trecho da história da empresa, a Singer mantinha o escritório central no Rio de Janeiro, mas tinha filiais e representantes comerciais distribuídos pelo Brasil. Era uma empresa inovadora e investiu no pais com larga distribuição de seus produtos nas principais cidades brasileiras.
O interessante é que em 19 maio de 1903, ou seja, depois de 20 dias da inauguração da empresa, o Sr. Kück publicou um anúncio informando sua ida para a Europa com toda família. Estranho, não é mesmo?
A empresa durou pouco, em 13 de janeiro de 1906, menos de 3 anos depois, se desfaz e o Sr. Kück, mais uma vez, é o liquidante. Toda esta trajetória pode ser vista no conjunto de quatro anúncios, mostrados abaixo, destinados a informar o mercado das mudanças empresariais.
O capitalista, como se dizia na época, também foi sócio da Lithographia Hartmann, Reichnbach & Comp., saindo da sociedade em novembro de 1903. Investiu em imóveis, comprando a sua casa na Avenida Paulista, 79 e ainda uma outra na mesma avenida, no número 124, que tinha sido penhorada para pagamento de hipoteca do Sr. Raul Cardoso de Mello.
Tinha também imóveis no centro, como o que abrigou a empresa e outros dois na Rua Conselheiro Nébias. Seu nome também aparece em várias ações cíveis relacionadas a imóveis.
Neste período, uma notícia sobre o Sr. Kück gerou espanto, pois informava que ele tinha sido preso no Rio de Janeiro, por um processo contra ele movido pela empresa J. Becker e Comp. A notícia foi publicada em abril de 1902 no jornal do Correio Paulistano, em um grande anúncio assinado por Antonio José Capote Valente, um ilustre e conhecido advogado da época e seu nome batizou uma rua no bairro de Pinheiros. Em seu texto, ele afirmava que o fato não tinha importância, pois era apenas um processo de injúrias verbais. Ele escreve no linguajar da época:
não se deu crime importante nenhum em que o caráter impolluto de João Kück tenha sofrido a mais leve jaça.
Você sabe o que é jaça? Segundo o dicionário é um: “Dito que desonra, mancha a reputação de alguém; mácula”. Mais uma para o vocabulário, não é mesmo?
Sobre sua casa na Paulista, pouco sabemos, ela foi construída em 1905 projetada por Guilherme von Eÿe e que apresentava um estilo que lembrava os chalés europeus. O arquiteto também projetou a Igreja Martin Luther e o Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.
Segundo Eudes Campos em seu artigo intitulado Chalés paulistanos, descreveu assim esse projeto de Guilherme von Eÿe:
tetos com elementos de madeira trabalhada, compondo decoração livremente inspirada nos chalés e a sobrepujar partes importantes das fachadas, mas, da mesma forma, nelas já não havia lambrequins (nome de recortes e pendentes, feitos em madeira ou outro material, usados na arquitetura).
Com típica empena de chalé, coroa um corpo avançado que se destaca da fachada principal. Solução características dos chalés do século XIX.
A casa, com estilo que lembra os chalés, devia ser linda, mas logo se foi.
Em vários artigos da Série Avenida Paulista já mencionamos que a “primeira geração” de moradores da avenida são imigrantes europeus oriundos de vários países e a “segunda geração” de moradores era de imigrantes sírio-libaneses. Pois este é um caso que ratifica essa situação. Depois do alemão João Kück, a partir dos anos 1930, a casa aparece em nome do Sr Nassib José Mattar.
Vamos contar uma parte da história do Sr. Nassib,: ele fundou a empresa que deu origem a Paramount Tecidos.
Construindo a história deste libanês, verificamos que nos anos 1930 ele foi liquidante da falência de muitas empresas, algumas credoras de sua empresa. Será que esta atividade foi fundamental para suas atividades empresariais?
O site Arabi – Artigos traz mais informações sobre o empresário, publicando uma foto da família na casa da Paulista e detalhes sobre ele:
A história da Paramount, a maior fabricante de fios de fibra longa da América do Sul, dona das marcas Pingouin e Lacoste, começou com um imigrante libanês tocando um burro carregado de tecidos e dormindo em barraca. Nassib José Mattar foi mascate durante três anos. Antes da virada do século, abriu uma loja. Dois anos depois, comprou seis teares e fundou uma fábrica de seda misturada com fios de viscose, uma novidade até na Europa.
Trabalhava dezoito horas por dia tendo em mente o projeto de todo imigrante: criar bem a família (sonho que o pai, morto em conflito religioso no Líbano, não realizou). Em 1922, Nassib comprou uma casa na Avenida Paulista (na foto ao alto, a família na sala), ponto mais nobre de São Paulo, e para lá levou os oito filhos. Todos estudaram direito ou engenharia e trabalharam com ele na tecelagem. Hoje o negócio é tocado por seu filho Fuad, pai de Luiz Mattar, campeão de tênis. Nassib nunca voltou ao Líbano. Fuad nunca foi a um restaurante árabe”.
Os filhos do casal em ordem de nascimento: Waddy, Aziz, Victor, Odete, Tufy, Holanda, Fuad (que ainda está vivo) e Evelina. Na foto acima, em 1957, a família Mattar está reunida em um ambiente da casa na Avenida Paulista. Bem no meio da foto, a senhora com o bebê no colo é a esposa do Sr. Nassif, que se chamava Fadua Mahfuz Mattar e, ao se lado, alguém segura o retrato de seu marido, que já havia falecido naquela data.
O homem, sentado à esquerda, é o Sr. Nagib, e a criança no colo dele é seu filho, é o Sr. Fabio Lotaif, Agradecemos a ele, que é neto de Nassib Mattar e filho de Evelina e Nagib, que muito gentilmente contou-nos sobre sua família:
Minha mãe era a filha caçula de 8 irmãos. Ela me disse que morava em frente ao colégio São Luís até 1 ano de idade, quando mudou para essa casa em 1926. Em 1949 meu avô faleceu. Minha avó continuou morando lá até 1960, quando ela se mudou com minha tia Odete, que era casada com Michel Mattar. Eu com minha família fomos morar por 1 ano na casa da Avenida Paulista, enquanto minha casa na Alameda Santos, era reformada.
Complementando a informação anterior, a empresa foi fundada em 1893 sob o nome Mattar, Azem & Cia. No início, comercializava tecidos. Em 1917 ocorre a mudança de nome e sociedade para Mattar & Sayon, e, em 1936, a sociedade passa a expandir as atividades para o setor industrial.
Novamente em 1942 a sociedade muda o nome social para Indústria de Tecidos Paramount S.A, onde se destaca na tecelagem de seda e de casimiras de pura lã. A empresa passou a ser gerida pelo filho Fuad Mattar, que nasceu na Avenida Paulista e a transformou em um dos maiores grupos têxteis do Brasil, hoje ele é Presidente do Conselho de Administração.
Atualmente em lugar da casa, encontra-se o Edifício Asahi, que contaremos a história no próximo post, mas antes um presente que recebemos: lindas fotos de época da família Mattar, apresentadas na galeria.
Contribua com a Série Avenida Paulista: se tiver uma foto antiga em que este casarão/edifício/local público apareça ou se conhecer alguém que possa fornecer mais informações sobre a residência ou edifício e pessoas relacionadas (família, amigos e outros), entre em contato com a gente. Muito obrigada!
3 thoughts on “O alemão João Kück e o libanês Nassib Mattar e o casarão na Av. Paulista”
Pedro Luiz
Beleza de texto e de pesquisa
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Luciana Cotrim
Muito obrigada!!!
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