A famosa casa branca, localizada no 1.811 da Avenida Paulista foi construída nos primeiros anos de 1940. No início desta década, a casa que foi a primeira a ser construída na Avenida Paulista foi demolida logo depois da morte de seu proprietário, o Ministro Rocha Azevedo, que batizou com seu nome a rua lateral.
A compra do terreno foi realizada pela família Hannud, que em pouco tempo construiu a casa que conhecemos atualmente.
Wajih Hannud, de origem síria, foi um comerciante que atuava na Rua 25 de março. O comerciante é de uma família síria, oriunda da cidade de Homs. Muitos sírios vieram para o país a partir do incentivo dado por D. Pedro II, na época do império. Inúmeras famílias que chegaram para “fazer a América”, e muitas destas famílias moraram na Avenida Paulista, como os Salem, os Abdalla, os Calfat, os Bunducki, os Andraus, entre tantas outras, que as histórias poderão ser conferidas na Série Avenida Paulista. Os sírio-libaneses perfazem o que chamamos de segunda geração de moradores da avenida.
Recentemente o site do casarão “Paulista1811” publicou uma linda história da família, contada por Milena Hannud, uma das descendentes, a quem agradecemos por autorizar que compartilhássemos o texto aqui na Série Avenida Paulista. Vamos à história!
Josefina, Oscar e uma história de amor
Para entender o espírito da casa, das festas, dos almoços aos domingos e a alma alegre dos imigrantes que ajudaram a construir a história da cidade de São Paulo, é necessário voltar um pouco atrás no tempo até a história dos pais de Maria Estefano Hannud, Josefina e Oscar.
Os pais de Josefina eram Nicola Dinacci, de Nápoles, e Maria di Lucca, de Castellamare. O casal veio para o Brasil em 2 de dezembro de 1897. Nicola, que era ourives, abriu uma joalheria na Celso Garcia. Josefina tinha 7 anos de idade e viveram no país até 1909.
Oscar era sírio, veio de Homs aos 19 anos, e seus irmãos tinham uma loja de tecidos bem próxima à joalheria de Nicola. Oscar trabalhava como mascate. Maria di Lucca, que era professora, tinha pena deste rapaz que trabalhava tão duro, e começou a cozinhar seus almoços. Mais tarde, ensinou-o a ler e escrever em português.
As famílias eram vizinhas de parede, e Oscar e Josefina começaram a namorar através de bilhetinhos passados por um buraco que fizeram no muro.
Maria di Lucca adoeceu e a família teve que voltar para a Itália em 1909. Antes de partirem, Oscar comprou de Nicola um anel para Josefina, deu a ela e com lágrimas nos olhos avisou que dentro de 3 ou 4 meses iria para a Itália atrás dela. Durante este tempo escreveu várias cartas para sua “Signorina Brasiliana”.

Em 5 meses, Maria di Lucca faleceu e seu marido adoeceu em seguida. Logo após a morte de Maria di Lucca chegou Oscar, cumprindo a promessa que fez no Brasil.
No dia de sua partida, ainda no Brasil, a família de Oscar, pensando que ele estava indo para a Síria onde haviam lhe arrumado uma noiva, foi se despedir entregando encomendas e dinheiro para ele levar aos parentes. Foi quando ele avisou: “Eu não vou para a Síria, estou indo para Nápoles casar com a minha Josefina”.
E assim, ele aos 27, ela aos 20, casaram em Castellamare. Montaram uma loja de casemira (tecidos) chamada “Casa Americana” e tiveram sua primeira filha, Maria, em 1913. Nicola faleceria 11 meses depois da esposa, e, em 1913, quando Maria tinha 4 meses, Oscar e Josefina resolveram voltar ao Brasil.
Montaram uma loja no Bixiga, a “Vila de Paris”. Enquanto ele era responsável pelas compras, Josefina atendia freguesas, costurava e bordava. Ela ainda encontrava tempo para fazer pão italiano, com a ajuda da filha, para dar aos vizinhos. A família havia crescido, o casal teve mais 5 filhos: Clélia, Orlando, Iolanda, Lina e Alzira, abriram uma segunda loja.

Maria, Wagih e o casarão da Paulista
Maria se formou como pianista pelo Conservatório Dramático Musical, tendo como um de seus professores Mario de Andrade (História da Música e Estética Musical). Sempre ajudando sua mãe no trabalho, já nesta época sonhava em ter uma casa na famosa Avenida Paulista e, a despeito das troças de familiares e amigas, começou a guardar recortes de almanaques e revistas de como seria a casa dos seus sonhos.
Nas suas das idas com a mãe à rua 25 de Março para compra de tecidos e aviamentos conheceu o comerciante Wagih, que como seu pai Oscar, era sírio da cidade de Homs e também começou a vida no país como mascate, em 1923. Filho de Cocal e Nicola Hannud, Wagih teve a imediata simpatia da futura sogra que sempre aconselhava as filhas a se casarem com sírios, como ela. Começaram a namorar, se casaram em 1935.
Maria e Wagih foram morar numa casa no bairro do Paraíso onde viveram até 1949 e tiveram seus 4 filhos. Também quando morava no Paraiso, Maria teve que se naturalizar brasileira devido à II Guerra.


Em 1944 surgiu a oportunidade da tão sonhada casa na avenida Paulista. Com o falecimento do seu dono, a propriedade na esquina da Ministro Rocha Azevedo foi colocada à venda. A casa original foi colocada abaixo para dar lugar a que conhecemos hoje.

O projeto, segundo contava Maria, foi rabiscado por ela num papel. A empresa Sociedade Construtora de Guarulhos Ltda. foi contratada, a obra a cargo do arquiteto Alberto Barsuglia. Juntos, durante 5 meses elaboraram o projeto definitivo, que, segundo ela, ficou do jeito que havia imaginado. A construção levou 5 anos.

Para a decoração, contrataram Mr. Ronald Upstone, decorador inglês, que criou os ambientes partindo da referência de uma foto de uma mesa francesa, entregue pela futura moradora, e que deu o tom a todos os ambientes. O piso, de mármore rosa, assim como o lustre de bacarat que enfeitava o hall principal foram importados, assim como os tecidos dos móveis, executados pelo Liceu de Artes e Ofícios (São Paulo) seguindo as especificações do Mr. Upstone.

A vida na casa era muito simples. Maria adorava cozinhar, e fazia questão de fazê-lo tantos nos fartos almoços de domingo quanto nas inúmeras festas que davam. Noivados de filhos, casamentos, aniversários e reveillons, onde o ponto alto era ver a famosa Corrida de São Silvestre, que na época era à meia-noite. A casa ficava lotada de uma gente alegre e festeira.
A casa tem muitas histórias para contar, mas talvez a mais curiosa tenha sido um assalto, nos anos 60, feito pelo famoso Ladrão da Luz Vermelha.

Maria contava com carinho como aprendeu a fazer o cabrito com seu pai. Era generosa e ensinava suas receitas a quem quisesse aprender. Os cardápios eram uma mistura deliciosa de pratos árabes e italianos, todos feitos por ela. Isto criou um hábito na família: entrar pela cozinha, pois era ali que ela ficava, na beira do fogão, fritando pizza napolitana, fazendo arroz sírio ou assando esfihas, cabrito, pão de linguiça e outras maravilhas inesquecíveis. Em volta da grande mesa, num hábito herdado do lado italiano, ficavam todos conversando e comendo desde a hora em que chegavam até a hora de ir embora, muitas vezes, tarde da noite.
A família cresceu, 5 gerações chegaram a frequentar a casa simultaneamente.

Com o passar dos anos a casa, com suas escadarias, começou a ficar difícil para o casal idoso. Nesta época receberam uma proposta de locação do Banco de Boston. Compraram um apartamento no Morro dos Ingleses, onde viveram até sua morte.
O site Paulista 1811 também conta que:
“Sob a batuta de D. Maria, contrataram um engenheiro – arquiteto Alberto Barsuglia e juntos colocaram de pé anos de recortes de revistas e ideias que faziam parte dos sonhos da jovem desde seus tempos de Conservatório Dramático Municipal. Apesar do aparente amadorismo da empreitada, o projeto, rabiscado por ela num papel, tem uma concepção incrivelmente atual com seus espaços amplos e integrados e seu pé direito duplo iluminado por uma imensa claraboia.
Para a decoração foi contratado ‘um tal de Mr. Ronald Upstone’ decorador inglês, que criou os ambientes partindo da referência de uma mesa francesa. O antigo piso de mármore rosa (hoje presente apenas na escadaria) e o lustre de bacarat que enfeitava o hall principal foram importados, assim como os tecidos dos móveis, executados pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, seguindo as especificações de Mr. Upstone”.
O site ainda nos brinda com imagens de aquarelas que retratam os ambientes da mansão, pintadas para o Sr. Upstone.








Nesta época era muito comum dar nome aos ambientes da casa, mas nos perguntamos o que teria motivado o casal a nomear um deles como sala dos anjos? A resposta foi esclarecida por Milena: porque todos os móveis tinham anjinhos entalhados! D. Marla contava que no Liceu De Artes e Ofícios. enquanto não ficavam prontos, sempre sumia um ou outro.
A primeira referência gráfica que encontramos da casa é um anúncio da empresa Decor LTDA. que fez parte da decoração da casa que foi publicado na Revista Acrópole, em 1948. Nele, ficamos sabendo que os vitrais da casa eram da casa Conrado Sorgenicht, o maior vitrinista do início do século XX, responsável pelos vitrais do Teatro Municipal e da Beneficência Portuguesa.
Percebam que a imagem do “Grande Hall” é exatamente a da aquarela transformada em desenho.

Segundo matéria de Fábio Pescarini, para o jornal Agora, o advogado Mauro Hannud, um dos filhos do casal, diz que “lembra da infância no casarão, para onde a família se mudou em 1949, ano em que ele nasceu. “Morei lá até me casar, aos 30 anos”, afirma.
O casarão continua praticamente igual, com grandes colunas de sustentação, vão livre com três enormes quartos ao redor no segundo piso. Há ainda um quarto dormitório no térreo. Os detalhes em gesso no teto e a vistosa escadaria em mármore foram inspiradas no filme “E o Vento Levou”, de 1940”.
A mansão aparece em uma foto da Folha de São Paulo, de 14 de fevereiro de 1981 na notícia sobre o incêndio do Edifício Grande Avenida, que fica em frente à casa.

Na foto abaixo, gentilmente cedida por Walter Trijullo, feita em 1983, época que muitos casarões estavam sendo demolidos, e ele resolveu fotografar todos aqueles que ainda existiam.

O casal morou na casa até 1995 quando se mudou para um apartamento próximo. O Sr. Wajih Hannud morreu em 1999.
Os proprietários saíram da casa quando a linda mansão foi alugada para abrigar uma agência do Bank Boston que, quando comprado pelo grupo Itaú, foi transformada em uma agência do Itau Personnalite, permanecendo lá por muitos anos.


A casa com 748 m2 quadrados de área construída em um terreno de 1.428 m2, que tem onze cômodos, ficou disponível para aluguel depois da saída do banco, com o valor de locação mais caro de São Paulo. Conseguimos algumas imagens de seu interior que estavam sendo divulgadas para os interessados em alugar.


No mês de março de 2017, a casa que estava pintada de branca foi toda grafitada colorindo toda a fachada do local. O artista responsável foi Arlin Christian, um brasileiro, que começou a trabalhar com grafite em 1999. Hoje, divide seus trabalhos entre as ruas de São Paulo e as de Detroit, nos Estados Unidos. Foi uma surpresa para todos. Vejam como ficou:

A arte foi parte de uma estratégia de marketing de um lançamento da Nike e a campanha chama-se “Pira no Meu Air” #piranomeuair. Vamos ver o que vai acontecer. No instagram de Marcelo D2 ele disse que tá chegando…chama de airmaxday.

Assim, a casa branca, também conhecida como a Casa das Uvaias, transformou-se na casa de eventos e exposições Paulista 1811. Depois de mais de um ano muitos eventos já passaram por ali, além dos lindos Natais.


MÉQUI 1000
Foi inaugurado em outubro de 2019, na casa branca da Av Paulista 1811, o milésimo restaurante McDonald’s no Brasil, o casarão que já foi BankBoston e Itaú e estava aberto para locação de eventos. O novo restaurante tem 15 novas opções no cardápio que só serão servidas neste local, atendimento na mesa, vários espaços “instagramáveis”, atendimento 24h e o salão tem espaço para 220 pessoas.
Como estamos na época do Natal, com certeza, todos lembram que, durante muitos anos em que esteve alugada para instituições bancárias, a casa foi um dos mais lindos símbolos do Natal paulistano. E vale a pena recordar alguns dos anos anteriores aqui.





E, que bacana, no ano de 2018, a casa voltou ter uma decoração natalina com a Netflix Brasil.

O casarão branco vira McDonald’s
Em 9 de julho deste ano de 2019, a Revista Veja publicou uma matéria escrita por Ricardo Chapola, intitulada “Casarão da Paulista vai virar lanchonete 24h com espaços instagramáveis“, reproduzimos alguns trechos mais interessantes da notícia:
A ideia em São Paulo é modernizar o espaço, preservando ao máximo o prédio antigo. “Vamos adaptar o local às necessidades que temos. Mas o eixo central da casa será todo preservado. Não só a fachada, como também o piso, o pé direito duplo, a claraboia e a escadaria”, explica Sergio Antonon, diretor de engenharia do McDonald’s.
O projeto da nova unidade da rede de fast-food contemplará ainda o uso da área externa do terreno, um espaço de 900 metros onde funcionava o estacionamento. O objetivo é que agora ela seja voltada para que o público tire fotos e poste nas redes sociais. Trará arquibancada, jardim com árvores e cantinho com decoração instagramável. Outro local do casarão preservado com esse propósito é a escadaria. No andar de cima, haverá um salão com ares de coworking e café.
O novo McDonald’s terá capacidade de 220 lugares e prevê vender cerca de 10 000 big macs por mês, de acordo com cálculos da franquia.
Para finalizar, um belo vídeo de 2012 com a histórias de Natal e um coral cantando várias músicas natalinas:
Muito obrigada à Milena, que nos proporcionou está linda história. Se quiser conhecer a casa clique no link Paulista 1811.
Como chegar
Contribua com a Série Avenida Paulista: se tiver uma foto antiga em que este casarão/edifício/local público apareça ou se conhecer alguém que possa fornecer mais informações sobre a residência ou edifício e pessoas relacionadas (família, amigos e outros), entre em contato com a gente. Muito obrigada!
5 thoughts on “A linda casa branca da família Hannud”
Pedro Chaves Neto
Parabéns !
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Luciana Cotrim
Muito obrigada. Acompanhe nossas histórias.
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carlos jose de carvalho
Sou Carlos Carvalho, fui funcionário do Sr. Wagih, tive minha primeira oportunidade de trabalho oferecida por ele, só tenho agradecer, aprendi muito com ele nos anos em que trabalhei em sua loja na rua 25 de março, 501….
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Luciana Cotrim
Muito obrigada por seu testemunho! É muito bacana saber informações de pessoas que conviveram com essas pessoas, que foram moradoras da Avenida Paulista.
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Roseli Conceição da Silva
Minha mãe trabalhou e morou na casa de 1951 até 1960, conviveu com a família nos almoços e festas da família,0 depois de 60 casou e foi morar no Edifício Ariona vizinho de muro com a casa que hoje é um prédio comercial, mesmo vizinha frequentava a casa para visitar a D Maria. A D Maria foi madrinha de casamento da minha mãe.
Ela gostou muito de ler este texto e lembrar da época que esteve na casa .
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