O palacete que apresentamos hoje era um dos mais requintados e belos da Avenida Paulista. Queremos mostrar um pouco dessa beleza neste texto. A mansão pertenceu a Nagib Salem, um empresário de origem síria, nascido na cidade de Homs, que imigrou para o Brasil, desembarcando aqui em 15 de dezembro em 1895.
Mais uma vez essa história será contata a quatro mãos, pois tive o prazer de conhecer o neto de Nagib Salem, o Sr. Carlos Eduardo Calfat-Salem, que escreveu um livro sobre sua origem e família e gentilmente me contou algumas passagens deste casarão.

Depois deste casarão
Com 20 anos, Nagib Salem, dividiu com o primo Assad Abdalla um comércio de tecidos e armarinhos na Rua 25 de Março, no número 141 (atual nº 595). Em pouco tempo, a firma Assad Abdalla & Nagib Salem – AA&NS tornou-se a principal distribuidora de algodão cru e ficou conhecida com a marca 141 por todo o Brasil. A dupla contou com uma ajuda preciosa: os conselhos do senador Lacerda Franco.

A empresa AA&NS era tocada pelos dois primos: Abdalla era responsável pelos negócios e, muitas vezes, viajava para o Rio de Janeiro, considerado o centro comercial do país, e para a Europa para comprar mercadorias nacionais e importadas, enquanto Salem ficava administrando a loja.
Uma curiosidade sobre os negócios da AA&NS: o principal produto eram as roupas brancas e pretas. As brancas utilizadas por diversas pessoas que estavam relacionadas à saúde e higiene e as pretas usadas por pessoas que viviam uma viuvez precoce, ocorrida por doenças tropicais e por partos malsucedidos, fatos de grande ocorrência à época. A estratégia demonstrou a competência e a perspicácia comercial dos primos sírios.

Sobre o caráter e o profissionalismo de Nagib, seu neto, Carlos Eduardo, conta que:
A respeitável credibilidade de meu avô Nagib fez com que se tornasse o banqueiro de seus clientes no Brasil inteiro – estes que chegavam a São Paulo para fazer suas compras, com grandes quantidades de dinheiro, deixando aos cuidados de meu avô. Saiam para comprar os produtos de seu interesse pela cidade e emitiam uma papelada assinada, solicitando que ele os pagasse.

Com o sucesso da loja, em 1912, os primos começam a investir em imóveis. Eles adquiriram um grande terreno na periferia de São Paulo, que era chamado de Fazendinha, uma área onde as ruas ainda seriam inauguradas. Não imaginavam que, mais tarde, lá seria construída a praça de esporte do Parque São Jorge, que se tornaria o clube de futebol mais popular do Brasil: o Corinthians. Carlos Eduardo descreve sobre o avô neste período:
“No Parque São Jorge, santo de sua devoção, construiu indústrias e ainda utilizava como pastagem para seu plantel de gado bovino, ao qual era um grande criador. Os funcionários de suas indústrias jogavam futebol em uma área de sua propriedade, que era conhecida como a Fazendinha, devido a sua função. Com o tempo, meus avós doaram a Fazendinha ao clube de seus funcionários, hoje conhecido como Esporte Clube Corinthians Paulista”.

Atualmente, o parque São Jorge, que fica na Rua São Jorge, abriga o estádio Alfredo Schurig, e ainda é conhecido como Fazendinha, lá encontra-se o ginásio onde o clube manda seus jogos no futsal, e também é a sede da diretoria. Faz mais de 90 anos que o Corinthians adquiriu dos comerciantes sírios Nagib Salem e Assad Abdalla essa área que, naquela época, era um simples campo de futebol em que o Esporte Clube Sírio mandava seus jogos do Campeonato Paulista.
Voltemos ao nosso tema principal: o Palacete Nagib Salem da Avenida Paulista!
Na década de 1920, Nagib Salem comprou a área na Avenida Paulista onde construiria a belíssima casa, quase um palácio. Cada detalhe foi cuidado e construído com toda a dedicação com o melhor que havia disponível na época. O que não havia aqui, Salem trazia da Europa.

Ele viveu lá, com sua esposa, Naciba Salem e seus oito filhos: os homens – Fuad, Antonio, Eduardo e Rubens e, as mulheres, Adelia, Vitória, Emília e Lydia. E, claro, com o passar dos anos, também receberia os filhos dos seus filhos, seus netos, que, como contou o Sr. Carlos Eduardo, passavam férias e fins de semana se divertindo na casa do avô.
A área tinha 50 m² de frente na Avenida Paulista, sendo que na época o número era 98 (atual 1.313). A construção do palacete contou com projeto realizado pela empresa Malta & Guedes, de propriedade dos engenheiros politécnicos formados em 1914, Francisco de Salles Malta Jr e Henrique Jorge Guedes, que também foram responsáveis pela mansão de David Jafet no bairro do Ipiranga. Com arquitetura marcada pela grandiosidade, o palacete tinha por volta de 20 cômodos e seu terreno chegava até a Alameda Santos.

Entrando na casa via-se o hall de entrada, com pé direito duplo, dois lances de escadarias em mármore rosa, ornamentadas com um piso em mármore desenhado, um lindo vitraux no teto, e mobília rica e requintada. Lá, várias entradas ovaladas davam acesso aos outros compartimentos da casa.


Carlos Eduardo descreve o palacete, como tendo…
“…pé direto duplo, vitrais coloridos, profusão de mármores, pisos de madeira e marfim, além da pintura em gesso com acabamentos e adornos em ouro. Os profissionais e o material foram trazidos da França e da Itália.
Os ambientes eram realmente muito ricos de ornamentos tanto nas paredes como no mobiliário. A decoração das paredes foi de responsabilidade do pintor-artesão italiano Bernardino Ficarelli”.
A casa contava com diversas salas especiais para cada função social, como o salão de visitas, a sala de banquetes, a sala de espera, a sala de música, sala de almoço e outra de chá, jardim de inverno, entre outros ambientes.
Abaixo, três ângulos diferentes da grande salão de visitas do palacete, que o teto trazia adornos em ouro.
O casarão tinha diversos ambiente, alguns deles temos imagens (fotografias de fotografias) que compartilhamos com vocês.











Fantastico a riqueza de detalhes de cada ambiente: mobiliário reluzente, muitos objetos de decoração, diversos tapetes e lustres maravilhados. As paredes são pintadas com ornamentação, o piso tem diferentes desenhos geométricos e, em especial, os vitrais de alguns ambientes são obra prima de beleza.

Os imensos jardins com pergolado foram projetados pela famosa João Dierberger & Companhia. A seção de paisagismo da empresa foi responsável pelos notáveis jardins e parques, tanto de casas particulares como de prefeituras municipais, como, por exemplo, os Jardins do Palácio Guanabara no Rio de Janeiro, parques e jardins da família Guinle em Teresópolis, o Jardim do Museu do Ipiranga, em São Paulo, termas de Poços de Caldas e termas de Araxá, entre outros. Os projetos eram minuciosos e detalhados, como podemos ver nos desenhos dos jardins do palacete de Nagib Salem.





Retomando a história: os negócios prosperavam para os primos, Nagib e Assad, até o final da década de 1920. Em 1929 ocorreu a quebra da Bolsa de Nova York e, no Brasil, a Revolução de 30, que culminou com o levante paulista da Revolução Constitucionalista de 1932. Neste mesmo ano chegava ao fim a sólida sociedade de longos anos dos primos e cada um seguiu seu caminho, prosperando com lançamento de novos negócios próprios, realizados juntamente com os filhos.
Assim nasceu, em dezembro 1936, a “Nagib Salem e Filho”, formada pela associação de Nagib e seu primogênito Fuad. Com sede também na Rua 25 de Março, a empresa foi criada para a compra e venda, por atacado, de tecidos e armarinhos. Depois de algum tempo, a empresa mudou para “Nagib Salem S/A Indústria e Comércio de Tecidos”, para ampliação, podendo atuar como indústria, comércio, importação, exportação e representação de todos os gêneros de tecidos e correlatos do ramo têxtil.
Nagib Salem também se destacou em outras áreas de atuação. Seu neto, Carlos Eduardo, conta que ele…
…fundou, conjuntamente com 20 famílias da mesma origem, o Hospital Sírio-Libanês e a Associação Beneficente Mão Branca, entre outras entidades de benemerência. Também foi figura importante da Loja Maçônica do Oriente. Suas influências, tanto comerciais como políticas eram tão grandes que, juntamente com o governo de Getúlio, financiou a construção da Via Anchieta.
Aliás, grande parte da família enveredou para o ramo imobiliário. O filho Eduardo Salem, pai do Sr. Carlos Eduardo, foi diretor da Associação Comercial de São Paulo e do Instituto de Engenharia e construiu casa e edifícios por toda a cidade. O outro filho, Fuad Salem, construiu o Jardim Nagib Salem: uma pequena vila, bem estruturada com uma centena de residências. Fica na região de Santo Amaro, no distrito do Jardim São Luiz, com entrada pela Avenida Maria Coelho Aguiar, bairro encravado próximo ao Centro Empresarial de São Paulo.

Nagib Salem faleceu em 1959, depois de sua morte a família de Fuad Salem continuou a residir no palacete. O Sr. Carlos Eduardo disse que, mesmo depois de casados, todos os filhos moraram na casa por algum período, ou porque a casa que moravam entrava em reforma, ou por viagem, sempre algum dos filhos estava morando lá com sua família. Do período de sua infância, o Sr. Carlos Eduardo tem boas e divertidas lembranças. Algumas repartiu conosco:
“Um dos filhos do meu avô, o tio Rubens, estudou muito e se tornou piloto da FAB – Força Aérea Brasileira. O objetivo dele era servir como piloto na II Guerra Mundial e, para isso, empenhou muito esforço para conseguir ser um piloto de guerra. Quando ele estava pronto para a missão, a guerra acabou e ele não foi para a Europa.
Nós é que ficamos felizes isso, pois um dia ele reuniu todos os seus sobrinhos na torre do palacete para uma maravilhosa surpresa: em um avião da FAB, ele dava voos rasantes, que passavam pertinho de nós. Ele saia do Pacaembu e ia até a Praça Oswaldo Cruz, quando chegava perto de casa, dava o rasante. Era maravilhoso: conseguíamos até ver o rosto de meu tio ”.


Perguntado sobre as recepções e festas que aconteciam na casa, o Sr. Carlos disse que eram muitas festas. Lembra, em especial, das comemorações que juntavam artistas e políticos. Ele recordou sobre esses momentos:
Eu tenho uma prima que era uma cantora de sucesso, ela se chamava Maria Thereza Mecha Branca (mecha branca era nome artístico e o motivo é que ela tinha uma linda mecha em seu cabelo preto), lançou vários discos, e sempre fazia grandes festas no palacete quando lançava um disco ou comemorava seu sucesso.

Em 1952 foi rodado na mansão um filme de Mazzaropi chamado “Nadando em Dinheiro”, uma comédia em que um motorista de caminhão herda uma grande fortuna mas, depois de ridicularizado pela elite e abandonado pela família, acorda feliz com sua condição humilde de suburbano. Veja o trailler onde aparece a mansão.
Essas histórias dão vida àquele magnífico palacete construído na Avenida Paulista. Quem quiser conhecer a cantora Mecha Branca pode ver um vídeo no youtube intitulado “Um Piano e Você – Maria Thereza Mecha Branca”, no programa “Um Piano e Você” de Pedrinho Mattar da TV Cultura. No início do vídeo eles comentam sobre a Avenida Paulista.
Em 1970, mais de 10 anos após a morte de Nagib Salem, a família resolveu vender o terreno – que continha o palacete – para a FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo para construir sua nova sede. Sobre o episódio, o Sr. Carlos Eduardo, conta em tom crítico e de lamento.
A família Salem e os diretores da FIESP de então, correram ao Prefeito e à Câmara dos Vereadores, implorando pela preservação do palacete, um importante monumento histórico de São Paulo, propondo que a Municipalidade permitisse que a FIESP construísse seu edifício sede, na parte de trás do palacete, autorizando a aumentar a altura do novo edifício.
Apesar de grandes insistências, o pedido foi negado. A falta de cultura dos dirigentes municipais da época, fez vir ao chão uma verdadeira obra de arte, para dar lugar a um frio bloco de concreto! Sobraram as fotos desta obra de arte, para nos dar uma vaga ideia do que um dia foi a avenida símbolo dos paulistanos.

No site Pseudopapel, escrito por Alexandre Giesbrecht, encontramos um trecho interesse sobre o casarão em uma matéria, que publicamos aqui
O novo prédio da Fiesp foi erguido no terreno onde ficava o casarão de Fuad Salem, classificado pelo Jornal da Tarde em reportagem de abril de 1969 como “um dos mais belos e caros da [Avenida] Paulista”. A foto acima é da mansão, publicada na mesma reportagem.
Quando ela foi publicada, o casarão e seu terreno de mil metros quadrados já haviam sido vendidos por nove milhões de cruzeiros, e o imóvel estava sendo demolido, com a venda de boa parte do material retirado, quase todo importado.
A descrição do interior da mansão dá uma ideia do que se perdeu: “(…) o palacete [tinha] sessenta cômodos, vitrais de cristal belga, azulejos ingleses e alemães, e todo o mármore importado da Alemanha e de Portugal. O mármore está ainda na escada e nas colunas da entrada. Dois artistas orientais trabalharam três anos no piso da sala de música, que forma mosaicos de desenhos entalhados. A decoração das outras salas e janelas segue o estilo oriental, com reproduções de palmeiras, tamareiras e camelos.”
A construção da casa, em 1924, custou cerca de mil contos de réis, uma fortuna para a época. E ela durou apenas 45 anos.
Realmente o número 98, da Paulista do início do século passado, tem muita história para contar. Memórias que fazem a identidade da Paulista e da cidade de São Paulo.
Este texto só pode ser escrito por conta da generosidade do Sr. Carlos Eduardo, neto do Sr. Nagib Salem, que além de me receber em sua casa, me brindou com o livro escrito por ele. Com o título “Grandes Famílias que constroem o Brasil – Família Salem”, o livro e a conversa agradável possibilitaram trazer informações e fotografias inéditas para serem compartilhada com vocês.

Na visita que realizei, fiquei deslumbrada com as escritas pintadas no grande muro da residência do Sr. Carlos Eduardo. Como agradecimento a ele, e a vocês leitores, divido um pouco da poesia de autoria do poeta Paulo Bonfim e que embeleza os muros da casa e também inspiram nossas histórias.

Contribua com a Série Avenida Paulista: se tiver uma foto antiga em que este casarão/edifício/local público apareça ou se conhecer alguém que possa fornecer mais informações sobre a residência ou edifício e pessoas relacionadas (família, amigos e outros), entre em contato com a gente. Muito obrigada!
3 thoughts on “A história dos Salem e a beleza do palacete da família na Av. Paulista”
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Andreia Cardoso Salem
Gostaria de saber a verdadeira história sobre a família Salem.
Pois meu país é neto do Nagib Salem , Filho de Antônio. Ah muito mistério em tudo isso.
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Luciana Cotrim
Como mencionado em email. tudo que sabemos está no texto.
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